Entre os filmes marcantes que vi em 2005 (não necessariamente lançamentos de 2005), está The Dreamers de Bernardo Bertolucci. O ponto de partida do filme é a luta pela independência da Cinemateca Francesa – cujo diretor, Henri Langlois, é para nós, cinéfilos do mundo inteiro, um símbolo da luta pela diversidade cultural e pela liberdade de expressão. O roteiro se baseia num livro meio autobiográfico de Gilbert Adair, um escocês que sempre despertou minha curiosidade. Adair foi quem traduziu para o inglês, com o título The Void, o famoso romance La Disparition de Georges Perec, onde a letra “E” não aparece uma só vez (verdadeira façanha, tanto em inglês quanto em francês). Além disso, ele escreveu livros com personagens como Alice (de Lewis Carroll), Peter Pan, e sobre o garoto polonês que, visto num hotel em Veneza em 1911, inspirou a Thomas Mann o romance Morte em Veneza (The Real Tadzio). Adair é excelente trocadilhista, e tem um livro de ensaios com o divertido título de The Postmodernist always rings twice.
Algumas resenhas que li antes de ver o filme diziam que ele “captava o espírito de maio de 68”, etc. e tal, mas não é isso que eu vi. Maio de 1968, como o entendo, só acontece nas cenas finais do filme, embora sua explosão vá sendo preparada o tempo todo através de pequenas pistas. O melhor filme sobre maio de 68 foi lançado em Paris em agosto de 1967: chama-se A Chinesa, foi feito por Jean-Luc Godard, e foi um dos mitos fundadores daquele mês de revoltas políticas. Os Sonhadores mostra o reverso daquele maio de Godard, ao narrar um caso extremo de jovens intelectuais que, em vez de descobrirem as teorias de Mao e discutirem os caminhos do operariado, descobrem o sexo, as drogas e o rock-and-roll. Além do cinema, é claro, que é o tema essencial do filme. Jovens tão intoxicados de Cinemateca que passam a viver numa zona crepuscular entre realidade e tela, onde tudo lhes serve de pretexto para citar filmes, reconstituir cenas de filmes, reverenciar artistas e reviver personagens de filmes. Eu já fiz isto, e sei demais o quanto é bom.
Vem daí a beleza do filme de Bertolucci, da sua maneira carinhosa mas crítica de descrever a alucinação inofensiva dos protagonistas, um estudante americano e dois jovens parisienses de família rica. O americano se deslumbra com o casal de irmãos ligeiramente incestuosos. Fazem sexo interminavelmente. Tomam banhos coletivos de banheira puxando fumo e discutindo quem é melhor guitarrista, Hendrix ou Clapton. Um sonho financiado pelos cheques que Papai e Mamãe enviam com pontualidade cristã. Os Sonhadores tem uma excelente trilha sonora “de época” (Dylan, The Doors, Joplin, Piaf, Michel Polnareff, Françoise Hardy). É feito em belíssimas imagens, e é um filme triste, por ser um filme que mostra como poucos a inesquecível alegria de ser jovem, e o imenso desespero de ter tanta vida nas mãos e não saber direito o que fazer com ela.
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