segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

0714) Nélida Piñon (2.7.2005)



A escritora Nélida Piñon ganhou dias atrás o “Premio Príncipe de Asturias de las Letras”, um dos mais importantes da Europa, ao qual concorria com autores como Paul Auster, Philip Roth e outros. 

Com todo respeito aos autores norte-americanos, eu diria que eles não são páreo, no caso específico de um prêmio de origem espanhola, para uma sul-americana descendente de espanhóis. 

Nélida é uma prova de que a cultura ibérica entre nós é viva, forte e tão necessária quanto o oxigênio. Temos exemplos como Ariano Suassuna, em que a matriz ibérica surge como uma forma mutante, já irremediavelmente contaminada de brasileirismo. Mas a obra de Nélida, embora intensamente brasileira, também se mantém intensamente ibérica, pelo tom elevado da dicção, e pela ambientação que (pelo menos nos livros que li) abre mão da cor local, do realismo epidérmico, para se colocar num plano sempre à beira do mítico, do alegórico. 

É uma literatura difícil. Não porque seja hermética ou ininteligível, mas porque sua prosa, como a de Osman Lins, é de tal intensidade que precisa ser absorvida aos poucos. Um leitor como eu não consegue ler mais do que oito ou dez páginas por vez. Precisa de tempo para digerir aquilo tudo. 

Eu leio Rubem Fonseca ou Jorge Amado no passo de quem caminha por um parque; leio Nélida e Osman Lins no passo de quem anda por dentro de uma livraria. 

Quem lançou Nélida e Rubem Fonseca na literatura foi o editor Gumercindo Rocha Dórea, da Editora GRD. Gumercindo é também um batalhador pela ficção científica no Brasil, através das coleções e antologias que lançou na década de 1960, e depois na década de 1980-90. 

Certa vez, numa entrevista à TV, Nélida contou que quando saiu seu primeiro livro pela GRD, Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, ela era totalmente leiga nas coisas práticas da literatura. Quando Gumercindo lhe entregou o primeiro exemplar do livro, ela o manuseou, maravilhada, e apontando a capa do livro disse: “A lombada ficou linda”. Hoje, quarenta anos depois, talvez nem lembre mais do episódio. 

Há um livro dela que nunca consegui terminar: Tebas do Meu Coração. Sou um leitor indisciplinado, leio sempre meia-dúzia de livros ao mesmo tempo, e avanço mais nos que são mais fáceis. Muitas vezes largo um livro durante meses e depois sinto que só posso retomar a leitura se voltar atrás. É como escalar uma montanha. A gente escala até a metade, mas se quiser largar aquilo para fazer outra coisa, na próxima tentativa não pode retomar do mesmo ponto: tem que recomeçar do zero. 

Livros-Everest como A Vida Modo de Usar de Georges Perec, Little, Big de John Crowley ou Viva o Povo Brasileiro de João Ubaldo continuam à minha espera: “E agora? Vai encarar?” 

Leio Nélida Piñon como quem escala uma dessas montanhas. Vou entrando aos poucos numa região onde o ar é mais puro, a vista mais bela, e tenho aquela sensação (que só as grandes obras nos proporcionam) de que eu e o mundo somos do mesmo tamanho.








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