sábado, 3 de maio de 2008

0381) Tolkien no Far-West do futuro (9.6.2004)




Acabei de ler um livro que me deixou pensativo: The Gunslinger, o primeiro volume da série “The Dark Tower”, escrita pelo subestimado Stephen King. São sete enormes livros que King começou a escrever em 1970 e concluiu no ano passado, ou seja, 33 anos depois. 

Diz ele que quando leu O Senhor dos Anéis aos 19 anos teve um impulso imediato de escrever uma história parecida. Centenas de jovens tiveram o mesmo impulso, daí a existência, hoje, do gigantesco mercado de histórias de Fantasia, não só na literatura (Terry Brooks, Stephen Donaldson, Fritz Leiber, George R. R. Martin, Marion Zimmer Bradley, etc.) como no cinema, nos quadrinhos, nos “role playing games”.

A primeira idéia de King foi fazer o que todos fizeram: escrever uma batalha épica entre o Bem e o Mal, com elfos, orcs, dragões voadores, espadas mágicas... Mas ele não se sentia à vontade escrevendo uma fantasia baseada em campônios ingleses e ambientações escandinavas. 

A revelação lhe veio ao assistir O Bom, o Mau e o Feio, faroeste italiano de Sérgio Leone, e ver “um Clint Eastwood com dez metros de altura” e “um Lee Van Cleef com rugas que pareciam desfiladeiros”. Os dois universos se fundiram em sua mente: 

“Percebi que o que eu queria escrever era um romance que tivesse o mesmo sentido épico e mágico de Tolkien, mas cuja história acontecesse naquele ambiente do Oeste, majestoso, absurdo.”

The Gunslinger conta a história do pistoleiro Roland de Gilead, e de sua caça ao Homem de Preto, feiticeiro do Mal (uma espécie de Saruman). Ao longo da história vamos percebendo que aquele mundo fica vagamente no futuro. A ambientação é de faroeste, mas aqui-acolá os personagens evocam um passado onde havia grandes cidades, arranha-céus... Das areias do deserto, emergem maquinarias gigantescas e enferrujadas. 

Ficamos com a sensação de que em algum ponto do século 21 houve o colapso da nossa civilização, e que a humanidade se reorganizou como pôde. Nesse faroeste futurista, existem mutantes radioativos, ferrovias subterrâneas abandonadas, e pianistas de “saloon” que tocam “Hey Jude”. 

Quem quiser mais informações sobre a série, pode achá-las em: http://www.stephenking.com/DarkTower/.

Não é mais Tolkien, portanto. É uma resposta orgulhosa e viril dos sertanejos norte-americanos à obra de Tolkien, da qual o livro de King guarda aquele mesmo espírito épico, mas traduzido em elementos próprios (o faroeste, a ficção científica). 

Em “Tolkien e Guimarães Rosa” (14.1.2004) e em artigos nos dias seguintes, comparei estes dois autores, e agora quero colocar Stephen King nessa mesma prateleira. Aquietai-vos, ó críticos: não estou dizendo que King é um estilista comparável a Rosa. Mas ser escritor não é apenas ter estilo, é também ser fabulista, como disse Drummond. 

King é injustamente chamado de “fast-food” literário, mas para mim seu livro é uma carne-de-sol com macaxeira e um café bem forte, que é como eu gosto dessas coisas.





Um comentário:

Félix Maranganha disse...

Parece incrível, mas eu simplesmente adorei os livros, sou fã de Tolkien e também estou desenvolvendo uma história como Tolkien, mas ambientada numa cultura pré-escrita, na atualidade, num universo paralelo, com cultura semelhante à dos sertanejos. Eu sei como King se sentiu.