sábado, 3 de maio de 2008

0382) Triste do homem empregado (10.6.2004)



O Brasil é engraçado. A mídia se apavora com os índices de desemprego, os sindicatos acham que o fim-do-mundo está próximo porque caiu o número de vagas na indústria. A economia informal, no entanto, cresce mais do que o PIB da China. As grandes cidades estão “assim” de ambulantes vendendo de tudo, fazendo de tudo. E não venham me dizer que eles estão ali porque perderam um emprego numa indústria. Eu diria que a maioria das pessoas prefere ser camelô do que ser operário. Por que?

Em primeiro lugar, é “a lei do mais fácil”. Ser operário especializado requer Senai, requer estudo. Um torneiro mecânico tem conhecimentos técnicos com os quais eu, do alto de minhas veleidades literárias, não posso nem sonhar. Num certo sentido, ser torneiro mecânico exige mais preparo do que ser presidente da República, cargo onde há dezenas de ministros e assessores para consertar as mancadas do titular. Em segundo lugar, o brasileiro tem mania de ser independente. Em 1990 trabalhei dois meses para um instituto de pesquisa, entrevistando pessoas sobre o tema “Carteira assinada ou trabalho autônomo?”. Entrevistei umas 30 pessoas de diferentes classes sociais, no Rio e em Recife, e fiquei com a impressão de que o brasileiro prefere mil vezes ganhar um dinheirinho razoável por conta própria do que ganhar o dobro disso trabalhando para um patrão, batendo ponto, cumprindo horário.

Tiro isto por mim. Olha eu aí – que diabo estou fazendo como entrevistador numa empresa de pesquisa? Resposta: estava fazendo um frila, meus camaradas. Era um trabalho “free-lancer”, franco-atirador, um trabalho eventual, com algumas semanas de duração e pagamento bem razoavelzinho. A melhor coisa do mundo. Pra mim, melhor do que um emprego com carteira assinada. Não digo que emprego é ruim: todas as vezes que tenho emprego fixo por um ano inteiro eu passo bem, ajeito as coisas de casa, vou mais a restaurantes, compro mais livros e mais discos, estoco uma grana para as próximas vacas-magras. O emprego acabou? Não há problema. Alguns dias ao telefone, e os frilas voltam a aparecer.

Quem vive como free-lancer tem que viver numa adrenalina permanente, porque está em junho e não sabe como vai pagar as contas de julho. É preciso estar atento e forte, tá ligado? Emprego é bom, mas o cara quando arranja emprego veste logo um pijama mental. Acostuma-se à rotina emasculatória de dar expediente e assinar ponto. Perde o gume, perde o tesão. E só faz o que não gosta. Me lembro de São Pedro, no folheto O Grande Debate de Lampião com São Pedro, de Zé Pacheco: quando Lampião bate na porta do Paraíso, São Pedro interrompe a refeição e vai abrir de má vontade: “São Pedro depois da janta / gritou pra Santa Zulmira: / “-- Traz o cigarro caipira!” / e acendeu no São Panta. / Apertou o nó da manta / vestiu a casaca e veio / abriu a porta do meio / falando até agastado: / “--Triste do homem empregado / que só lhe chega aperreio!”

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