terça-feira, 11 de março de 2008

0212) Os recordistas indianos (25.11.2003)




Por que motivo existem tantos indianos nas páginas do Livro Guiness dos Recordes, batendo os recordes mais inúteis e inverossímeis? Esta é a pergunta que faz a si próprio (e ao leitor) o professor Vinay Lal, num artigo intitulado Indians and the Guinness Book of Records: The Political and Cultural Contours of a National Obsession. A resposta mais rápida e mais óbvia é a fatalidade estatística: com mais de 1 bilhão de indianos no mundo, há muito mais chances de um deles se destacar em façanhas excêntricas. Mas se fosse só isso, haveria um número ainda maior de chineses batendo recordes, o que não é o caso. É algo no tempero da comida, ou é a própria índole fanática, obcecada, de um povo inteiro?

O homem que ficou sentado por mais tempo foi o indiano Mastram Bapu, que plantou-se no mesmo lugar, à beira de uma estrada no vilarejo de Chitra, por 22 anos. É interessante comparar a dificuldade desta marca com a de Swami Maujgiri Maharaj, que permaneceu de pé durante 17 anos (ele dormia encostado a uma tábua). Diante de empreendimentos como estes, fica até fácil a gente esnobar um coitado como Girish Sharma, que ficou em pé num pé só durante meras 56 horas. Nada disso me parece difícil: afinal, trata-se da terra dos faquires, dos ascetas, uma terra onde mortificar o corpo através de façanhas espantosas é ir se aproximando cada vez mais do estado de anulação total, do Nirvana. E como sabemos, todo Nirvana tem um pouco de suicídio.

Talvez se possa até achar uma utilidade prática (criptografia? espionagem?) para o talento de Surendra Apharya, de Jaipur, que em 1993 entrou para o Guiness por ter escrito 1.314 caracteres sobre um grão de arroz, em 1991. O Prof. Vinay Lal lembra o quanto os números têm importância na literatura e na mitologia hindu, que são cheias de referências a pessoas “que viveram 20 mil anos” ou coisa parecida. Os indianos gostam de listar, enumerar, catalogar (veja-se o “Kama Sutra”). Por outro lado, alguns dos maiores matemáticos que já existiram, como Ramanujan, são da Índia.

Esta propensão para a numeromania e para as façanhas de resistência física, contudo, não se refletem naquela área que seria a mais óbvia: o esporte. Os indianos não se destacam em nenhum esporte. Numa Olimpíada recente, o país foi embora sem ganhar uma medalha sequer, mesmo de bronze. Podem-se invocar razões práticas (descaso do governo, burocracia, métodos técnicos superados, etc.) mas ainda assim é notável que um país não tenha um campeão de maratona ou salto à distância mas tenha um sujeito como Om Prakash Singh, um bancário de Allahabad, que enfiou uma linha numa agulha 20.675 vezes diante de uma platéia em apenas duas horas, em 25 de julho de 1993. Eu, que desconfio instintivamente das coisas que têm utilidade prática, acho o absurdo destas empreitadas indianas um exercício da liberdade humana para o irrelevante, o desimportante, o inútil. É algo poético, e os poetas que me desculpem.

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