terça-feira, 11 de março de 2008

0225) A economia Rube Goldberg (10.12.2003)




Um amigo meu chegou com uma idéia genial. Ele descobriu um salão de festas de uma escola onde ele era amigo da diretora. O filho dele tem uma banda, portanto pode ser obrigado a tocar sem cachê numa festa do pai. Ele tinha feito uns trabalhos para uma rádio e a rádio não pagou, de modo que ele podia trocar isso por spots de divulgação da festa. Era uma festa para tantas pessoas, o ingresso era tanto, a cerveja era tanto... Eu perguntei: “E tu acha que vai lucrar quanto com isso?” Ele disse: “Se tudo correr bem, dá pra tirar uns 300 reais.”

Rube Goldberg foi um cartunista americano cuja especialidade eram quadrinhos que ele chamava invenções. Por exemplo: uma invenção para o sujeito apagar a luz do quarto sem levantar da cama. O cara está deitado na cama, e liga um ventilador. O vento empurra um barquinho numa bacia de água. No barquinho há uma vela acesa, que a certa altura fica exatamente por baixo de um barbante esticado. O barbante se queima, se parte, e libera uma bola de ferro que escorre ao longo de uma calha, e quando chega lá embaixo aciona um trampolim que arremessa para o alto uma bola de gude. A bola de gude cai dentro de um cercadinho onde há um rato, e o assusta; o rato, ao tentar fugir na direção oposta, desequilibra uma plataforma, fazendo tombar um paralelepípedo onde está amarrado um barbante, cuja outra ponta está presa ao interruptor. O paralelepípedo cai, estica o barbante, e puxa para baixo o interruptor, apagando a luz.

A descrição acima não corresponde exatamente a nenhum desenho de Goldberg; inventei de memória, pegando detalhe deste ou daquele desenho, porque o Mestre criou centenas de variantes sobre este tema, onde detalhe como estes se recombinavam ao infinito. Sua fórmula básica é: um excesso de mecanismos para produzir um mínimo de efeitos. É um mundo absurdo? Não mais do que o mundo da economia popular, onde se inclui a frenética atividade de jovens que têm bandas, grupos de teatro, equipes de vídeo, todos querendo criar “arte e cultura”, e fazendo da escassez de recursos um incentivo a mais para ter idéias brilhantes.

Isso às vezes é uma atividade tão engraçada e insensata quanto as invenções de Rube Goldberg. Existe algo de patético nisto, mas existe algo de gloriosamente vivo, de incontivelmente criador. Os caras querem fazer, e vão lá, e fazem. Um produtor profissional passaria meia dúzia de cheques, sem se levantar da cadeira, e resolveria tudo. A galera não tem essa opção. O jeito é pedir emprestada, ao amigo que trabalha na oficina, uma perua velha que o dono não foi buscar, e usá-la para pegar um amplificador que vai ser emprestado ao pastor evangélico da esquina, em troca do uso da igreja para passar um curta que um amigo baixou da Internet e outro passou para DVD. Tudo isso pra ver um filme? Tudo isso pra viver, amiguinhos. O Deus que criou este mundo não rezava pela cartilha de Henry Ford. O nome de Deus é Rube Goldberg.

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