terça-feira, 11 de março de 2008

0218) A metalinguagem da axé-music (2.12.2003)



A canção metalinguística, em vez de se referir a uma realidade externa, fala de si própria. Veja-se o “Baião” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: “Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião...” 

São letras típicas de uma fase em que uma música nova está se criando. Ela sabe da estranheza inicial com que será encarada, e procura explicar ao ouvinte que tipo de música é, como deve ser vista, como deve ser dançada. 

No caso do samba, há certamente milhares de sambas que teorizam o samba, sambas que filosofam sobre o samba, sambas que ensinam como dançar o samba.

Não é privilégio nosso. Clássicos do rock como “Twist and Shout”, “Rock and Roll Music” ou “Roll Over Beethoven” são anúncios sobre o novo tipo de música que está surgindo, e dão instruções precisas sobre como dançá-la. 

Estratégia de marketing? Pode ser. Todo artista é marqueteiro de si mesmo. E não há grupo que mais se auto-descreva e mais filosofe sobre seu próprio ofício do que os cantadores repentistas, que adoram fazer longos baiões de sextilhas comparando seus próprios versos com tudo que lhes dá na telha.

Este longo intróito é para mostrar que não tenho nada contra músicas que falam de si mesmas ou que dão instruções ao público sobre como dançá-la. É normal. O que me deixa intrigado é o fato de que essa música dos trios elétricos parece não ter outro assunto senão ela mesma, e parece não ter outra coisa senão ordens e instruções corporais para o seu público. 

“Balança a cabeça! Sacode a bundinha! Levanta os braços, gira, gira... Agora pula! Pula de novo! Quero ver todo mundo pular!” 

Como é preciso inventar sempre novas variações, começa a surgir a Dança do Camaleão, a Dança do Canguru, a Dança do Jacaré. Cada trio precisa trazer ao seu carnaval fora de época uma nova dança da moda. 

Dentro de poucos anos chegaremos a uma fase barroca desse processo, quando as multidões na Praça Castro Alves ou no Parque do Povo estarão executando a Dança do Punaré Baleado, a Dança do Esqueleto que Tomou Fogo Paulista, ou a Dança do Mico-Leão Atingido Por Gás Lacrimogêneo. As possibilidades, como sempre, são infinitas.

Alguns críticos vêem na axé-music uma tendência fascista: ela levaria até o extremo aquela atitude megalomaníaca e autoritária do rock, tão bem dissecada por Roger Waters e Alan Parker no filme Pink Floyd: The Wall, misturada com as danças-de-roda das creches infantis e do programa da Xuxa. 

Valendo-se do coquetel de hormônios que troveja nas artérias da puberdade, é uma música que em momento algum pára de dar ordens aos seus executantes. A axé-music não tem variação em sua letra porque não pode se dar o luxo de esperar que o público faça aquilo espontaneamente; duvido que ele faça, se não fôr mandado. Suas letras são massificantes e psicologicamente infantilizadoras. 

Ela é a trilha sonora de um ritual de acasalamento, combinada com o militarismo da aeróbica e com as brincadeiras-de-roda da primeira infância.





Um comentário:

Anônimo disse...

A axé-music faz parte da cultura brega-popularesca juntamente como o breganejo , "funk", forró-brega e etc....
São as chamadas, pelo jornalista Alexandre Figueiredo de música de cabresto brasileira.