sexta-feira, 5 de abril de 2019

4453) Julio Cortázar em "Blow Up" (5.4.2019)




Entre as muitas coisas que devo ao filme Blow Up (1966), de Michelangelo Antonioni, está o fato de que ali ouvi pela primeira vez falar em Júlio Cortázar, um escritor argentino que por vias transversas acabou se tornando muito mais importante, para mim, do que o próprio cineasta italiano.

O filme se baseia no conto “Las Babas del Diablo”, que está no livro As Armas Secretas (1959), já traduzido no Brasil mais de uma vez. Há bastante diferença entre o conto original de Cortázar e a história narrada por Antonioni. Em ambas, um fotógrafo vai passear num parque, faz algumas fotografias e depois percebe ter registrado, sem perceber, uma história um tanto sinistra que acontecia entre outras pessoas.

Li em algum lugar que Cortázar não teria ficado muito satisfeito com as liberdades tomadas por Antonioni. Em todo caso, a adaptação serviu para popularizar ainda mais seu nome, depois do sucesso de O Jogo da Amarelinha (1963), quando ele já vivia em Paris.

Numa carta de outubro de 1965 a seus grandes amigos, Eduardo e Maria Jonquières, ele diz:

No dia 9, Aurora [Bernárdez, então esposa de Cortázar] vai para Roma. No dia 17 de manhã chego eu a Paris, de onde sairei talvez no dia seguinte para Roma (because o filme de Antonioni, que está em sua etapa de assinatura de contratos.

E noutra carta de fevereiro de 1966 ele complementa:

Assinei meu contrato com [Carlo] Ponti e voltei para Genebra; tudo em 14 horas. Foi como uma espécie de sonho muito belo, com uma longa vadiagem solitária às duas da madrugada pela Piazza del Popolo, e os afrescos de Pinturicchio em Santa Maria, em Araceli, e o cheiro de pão que paira sobre Roma às oito da manhã. Antonioni começa a filmar em Londres em abril. Por enquanto o filme tem um nome muito curto: História de um fotógrafo e de uma mulher numa manhã de abril. Falei que agora vou chamá-lo de Mizoguchi Antonioni. Falei mentalmente, porque ele não estava lá, mas dá no mesmo.
(“Cartas a los Jonquières”, p. 437 e 446-447.)

A brincadeira com o nome do cineasta certamente é uma evocação do famoso filme de Kenji Mizoguchi, Contos da Lua Vaga, Pálida e Misteriosa Após a Chuva.

Revendo agora Blow Up, e fazendo o necessário vasculhamento das trívias no Internet Movie Data Base, me deparei com esta informação:


Informação aparentemente confirmada na escalação do elenco:


Achei notável que Cortázar tivesse feito um “cameo”, mesmo brevíssimo, no filme londrino de Antonioni. Quem viu o filme lembra que nas primeiras cenas vemos o amanhecer do dia numa Londres ainda quase vazia, um jipe cheio de mímicos pintados e mascarados fazendo brincadeiras pela rua, e a porta de um abrigo para homens sem-teto, por onde saem os indivíduos pobres que ali passaram a noite.

Entre esses sujeitos, geralmente velhos, pobremente vestidos, de aspecto soturno, sai o fotógrafo Thomas (David Hemmings), que tinha passado a noite ali, disfarçado (seu Rolls Royce ficou estacionado a alguns quarteirões de distância) para captar “a vida como ela é”.


Será que Cortázar é visível nesse grupo? Repassei a cena várias vezes sem encontrá-lo. Ele tinha mais de 2 metros de altura, de modo que não seria difícil destacá-lo num grupo visto à distância. O mais parecido que encontrei foi esse sujeito aí, olhando para trás, mas ainda assim as feições não me parecem as de Julio.


No entanto, acabei encontrando um saite que dava outra pista: Cortázar não aparecia ao vivo entre os hóspedes do abrigo para sem-teto: ele era um dos fotografados.


Stephania Amaral, a articulista, identifica a foto dele na cena abaixo, quando o fotógrafo Thomas, horas depois, mostra ao seu agente, num restaurante, as cópias das fotos que fez no abrigo.

Thomas diz: “Queria ter um montão de dinheiro. Para ser livre.”  O outro diz: “Livre? Livre como ele?” – e mostra a foto de um mendigo barbudo, que seria justamente Cortázar (segundo o artigo).


Há uma certa semelhança, mas que não me convenceu. Repassando a cena, e imobilizando cada imagem, acabei encontrando esta aqui. (Toda esta amostragem de fotos se dá a partir dos 36:00 minutos de filme, na cena do restaurante.)  É esse mendigo de boné, por trás da vidraça partida, que imagino ser Julio Cortázar.



Para comparar, uma foto do escritor na década de 1960:


Não encontrei nos escritos de Cortázar, nem nos vários livros de entrevistas com ele, nenhuma menção a uma participação dele nas filmagens de Blow Up. Talvez tenha sido uma dessas presenças fantasmáticas que nunca aconteceram mas que as pessoas acabam descobrindo em retrospecto – mais ou menos como o próprio fotógrafo Thomas fotografa um casal se beijando e depois percebe que havia fotografado um assassinato.

De todo modo, Cortázar e Antonioni continuaram amigos, como mostra a dedicatória desta foto enviada pelo escritor para o cineasta, muitos anos depois, quando Julio estava viajando pelos Estados Unidos:



Caro Antonioni: Totalmente por acaso, quando atravessava o Vale da Morte, acabei chegando a Zabriskie Point. Pensei em você, e mandei que tirassem esta foto, que lhe envio agora com toda minha admiração e minha grande amizade.
Julio

Zabriskie Point é o título do filme dirigido por Antonioni nos EUA, depois de Blow Up.














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