terça-feira, 29 de março de 2016

4088) 40 anos do punk (30.3.2016)





Me lembro de uma frase de José Teles dizendo que um dia as cinematecas ainda iriam fazer retrospectivas da pornochanchada. Já aconteceu, claro. Cinemateca faz retrospectiva de qualquer coisa que, independente de sua qualidade estética, tenha produzido uma influência cultural, tenha afetado nossa maneira de ver a arte e o mundo, tenha trazido para a linha de frente idéias e conceitos que andavam meio jururus, escondidos lá na rabeira da fila.

A British Library está realizando neste mês de março uma exposição que marca os 40 anos do movimento punk na Inglaterra. O ano de 1976 foi escolhido como o do pontapé inicial do movimento, e este artigo no The Guardian (http://tinyurl.com/zalkqrj) dá um balanço no material exposto: filmes, discos, roupas, panfletos, filipetas de show, fanzines, instrumentos, clips de rádio e TV. Andy Linehan, o curador de música popular da biblioteca, explica que a instituição “sempre colecionou tanto a cultura quanto a contracultura”, e que o punk, pelo impacto que produziu nas artes e no comportamento, deixou um legado dos mais importantes.

“As pessoas veem o movimento como algo negativo e niilista,” diz Linehan, “mas o punk foi algo positivo em vários aspectos. Ele assinalou, por exemplo, o início da música independente.” A estética e a economia do DIY (“Do It Yourself”, faça você mesmo) era uma tapa na cara do sistema de produção capitalista onde é preciso ter muita grana para conseguir ganhar seu primeiro centavo. O punk, com seus discos mal produzidos, seus shows ofensivos e caóticos, suas roupas maltrapilhas, seus adereços chocantes, chutou o pau da barraca de um sistema musical milionário.  Ele surgiu numa época onde o rock perdia a rebeldia original e transbordava em efemérides babilônicas, operísticas, envolvendo megaprodução, orquestras, limusines, aviões carregados de equipamentos e tietes.

Imagino que muitos punks radicais se revoltarão contra essa “honraria”, assim como muitos poetas marginais serão capazes de fazer piquetes ofensivos diante da Academia de Letras no dia em que um ex-colega aceitar tomar posse. Acho que não importa. Quando o sistema homenageia seus próprios contestadores, certamente tem a intenção de com isto neutralizar sua virulência, ou pelo menos atenuá-la. O Sistema sempre tentará digerir e assimilar – de que outro modo sobreviveria? – tudo que o ameaça e que ele não pode simplesmente destruir. A repulsa inicial, o medo inicial, o horror inicial irão sendo pouco a pouco substituídos pela aceitação resignada do fato de que aquele animal selvagem resistiu a todas as tentativas de extermínio, e que agora faz parte do mundo como o conhecemos.









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