quarta-feira, 21 de outubro de 2015

3951) O rosto do poema (22.10.2015)


("Poema", de Joaquim Cardozo)

O rosto do poema é o formato que ele adquire na página impressa. Aquilo que chamamos “a mancha gráfica”, o espaço ocupado pelas palavras impressas na página branca. (Quando se trata de trechos em prosa cerrada, essa mancha é um retângulo impresso cercado por margens em branco.)  A mancha do poema revela, no primeiro vislumbre, sua extensão total, o comprimento das suas linhas, a (ir)regularidade das estrofes. Nessas manchas de texto, que visualizamos de chofre antes de decompô-las em palavras, percebe-se a respiração do poema, as expansões e contrações da voz que o enuncia.

Alguém abre um livro e vê aquela massa compacta de texto que é o “Uivo” de Allen Ginsberg, aquelas linhas intermináveis que se quebram à margem direita e se derramam para a linha logo abaixo. Ao começar a ler, a pessoa sabe que todo o resto do texto vai seguir aquele formato, vai obedecer ao ritmo caudaloso daquela dicção (Ginsberg já afirmou que nos poemas dele o tamanho da linha era a capacidade do seu pulmão, era toda frase que ele fosse capaz de dizer antes de precisar encher os pulmões de novo). Se na página seguinte o leitor acha um poema de e. e. cummings, vai ter uma informação visual diferente, a começar pela abolição das maiúsculas, as palavras partidas em pedaços verticais, etc. O poema típico de Ginsberg parece uma parede; o de cummings parece uma folha caindo devagar.

Sempre que releio “O Caso do Vestido” de Drummond me pergunto por que motivo ele partiu em dísticos (grupo de 2 versos) esse longo rimance ibérico-cordelesco. Poderia ter mantido o fluxo vertical do texto, que é todo em setissílabos, marcando apenas as pausas internas à própria narração, como o fez em tantos outros (“O Elefante”, “Morte do Leiteiro”, “A Mesa”, etc.). Mas não, ele saiu quebrando o poema todo de 2 em 2 linhas, o que torna o “Caso do Vestido” facílimo de localizar, apenas folheando o livro. Tão reconhecível quanto a divisão de 3 em 3 usada em “A Máquina do Mundo”, sem que isso se deva a nenhuma imposição interna. Talvez alusão aos tercetos de Dante na Divina Comédia, mesmo sendo brancos (sem rima) os versos que ele agora usa. O efeito rítmico, ao meu ver, é o de conter um fluxo que poderia ser contínuo, como quem desce de carro uma ladeira dando pisadinhas leves e constantes no freio para brecar a aceleração da descida.

Um soneto, um haicai ou uma sextilha podem ser identificados de relance por um leitor de mediano conhecimento. É a primeira informação essencial: “o tamanho é este aqui”. É a primeira informação que se dá ao leitor (antes mesmo da leitura do título do poema) e a primeira expectativa estética que se produz nele.









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