terça-feira, 13 de outubro de 2015

3944) Inventando palavras (14.10.2015)



Como se criam as palavras novas? Muita gente tem o que eu chamo a visão Stalinista de como a língua evolui. Para eles, a evolução da língua é uma atividade coordenada pelo Estado, através de gramáticos e dicionaristas. Os gramáticos criam as leis de trânsito do idioma, decretando o que é permitido e o que é proibido fazer. E os dicionaristas fazem uma espécie de recenseamento das palavras do idioma, carimbando as que têm existência oficialmente reconhecida (e significado explicado no verbete) e têm autorização de uso.

Só que não. Os gramáticos administram uma pressão enorme que a língua sofre por parte de usuários que precisam desobedecer as regras em benefício da expressividade, ou da rapidez, ou da clareza. Ou mesmo devido a defeitos deles mesmos, que às vezes a entendem mal e usam seus recursos meio às cegas, sem perceber como poderiam aproveitá-los melhor. O povo é o criador da língua, mas o povo é um polvo de mil tentáculos, cada qual atarefado em resolver seu problema imediato e sem ligar para o conjunto da obra. O povo tanto produz obras-primas de inventividade quanto catástrofes verbais de pensamento confuso.

O dr. Castro Lopes (1827-1901) foi um desses idealistas eruditos que queria corrigir sozinho os erros do povo brasileiro, e um dos maiores erros, no julgamento dele, era a aceitação de palavras francesas (isto foi há cem anos, quando a França era quem mandava em nossa cultura dominante), palavras como chofer, abajur, menu, garagem, ou palavras inglesas como futebol etc.  Recorrendo às fontes mais profundas do idioma (o latim e o grego), o doutor propunha uma série de palavras novas. Para abajur, ele propunha “lucivelo”, que traz a mesma idéia de uma luz sendo parcialmente vedada. Para futebol, sugeriu “ludopédio”, que significa “brincadeira com os pés”.  Além de outras palavras que Guimarães Rosa, num dos prefácios de Tutaméia (1967), enumera, divertindo-se: protofonia, ancenúbio, nasóculos, preconício...

Não devemos mangar muito do doutor, porque algumas das suas propostas têm hoje uso corrente, como cardápio, estréia, necrópole e o verbo “postar”. Ou seja: a criação verbal também se dá de cima para baixo, do gabinete para as ruas, do erudito para o popular. As idéias dos doutores são muitas vezes incorporadas pela plebe. O problema é que a pressão no sentido oposto é incalculavelmente maior. Atualmente, por causa das discussões políticas sobre impeachment, o verbo “impichar”, em todas as suas formações, está sendo usado pela imprensa sem pedir licença. O dr. Castro Lopes provavelmente não concordaria com o verbo.



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