quinta-feira, 17 de setembro de 2015

3922) "O Dragão" (18.9.2015)




José Alcides Pinto (1923-2008) é chamado por alguns de “escritor maldito cearense”. Esse termo maldito às vezes tem a conotação de “autor blasfemo, sacrílego, violento” e às vezes apenas de “escritor que não faz muita questão de ser estar sob os holofotes”.  Seus títulos indicam temas recorrentes: Entre o sexo, a loucura e a morte, Cantos de Lúcifer, O Criador de Demônios etc.  Loucura, satanismo, fatalidade e violência.

O Dragão é o primeiro romance da chamada Trilogia da Maldição (Topbooks, 1999), que ainda inclui Os Verdes Abutres da Colina e João Pinto de Maria: Biografia de um Louco.  Esta primeira história não é um romance fantástico, embora esteja cheia do “visionarismo alucinatório” que Ivan Junqueira comenta no prefácio.

Alto dos Angicos é um povoado perdido no sertão cearense, na ribeira do Acaraú, castigado por desgraças de todo tipo: seca, enchente, tempestade de areia, epidemias. A história é conduzida pelas andanças do Padre Tibúrcio, um personagem vigoroso, reclamão, sem papas na língua, que passa o tempo todo arregaçando as mangas para resolver problemas alheios e condenando os matutos embrutecidos por sua ignorância, sua passividade, seu desânimo.

É uma literatura regional diferente da de Rachel de Queiroz ou Graciliano. A observação social está presente, mas contaminada por um senso do absurdo e da fatalidade, algo que aqueles autores usam de passagem, sem forçar a mão. Alcides força a mão, e O Dragão é menos um romance naturalista sobre o sertão do que um delírio expressionista ambientado entre açudes, currais, casas de taipa, ruínas, lagartixas.

José Alcides foi também um poeta notável (ver aqui sua página no Jornal de Poesia, de Soares Feitosa: http://tinyurl.com/pmcd4pc).  Isso tem peso nas suas qualidades como romancista: a prosa é vigorosa, densa, sonora. Em O Dragão, o elemento fantástico paira junto com a sensação permanente de fim-do-mundo, e com episódios isolados como este:

“Na festa do ano passado, o surpreendi na bodega do Maroca fazendo uma demonstração do Capeta. Atirou o baralho na parede e as cartas aderiram a ela como a um ímã. E o Demônio começou a chamá-las por uns nomezinhos esquisitos: e os reis, os valetes, as damas voavam para ele e entravam-lhe pelos bolsos do paletó, como um bando de diabinhos amestrados.”

A história contada está dentro dos limites do real, embora um real delirante e energizado por visões expressionistas. O fantástico não é central à narrativa, brota em pequenos episódios que assustam e não se explicam, todos bem encaixados nessa descrição de um lugar onde Judas perdeu as meias e onde qualquer desgraça pode acontecer.


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