sexta-feira, 3 de julho de 2015

3857) As formas do conto (4.7.2015)



(ilustração: José Paulo, 1990)


Muitas tentativas de definir o gênero “conto” partem de um pressuposto errado, o de que o conto tem uma única forma, uma natureza que pode ser resumida numa única fórmula. Mas o conto não tem um desenho formal obrigatório como têm certas formas fixas da poesia, tipo o soneto. Qualquer poema de 14 linhas divididas em dois grupos de quatro e dois grupos de três, com o mesmo número de sílabas em cada linha, pode ser chamado de soneto ( de modelo italiano, no caso), independente do idioma, do assunto, da cadência rítmica, etc. 

O conto, no entanto, não tem essa nitidez de design. É uma nuvem indistinta de possibilidades. E cada um joga em cima dele a definição que lhe convém.

Uma história curta. Uma história curta, com começo, meio e fim. Uma narrativa curta de ficção (=inventada, que não aconteceu). O relato curto de um fato real ou fictício. Tudo isto são definições possíveis, úteis, mas que não esgotam o assunto. 

Um gênero literário admite uma fórmula mas não se resume a ela: o gênero é a possibilidade de tensionar essa fórmula através da pressão de uma personalidade única, a do autor. Todo autor reinventa em parte o gênero que explora. Se não, os gêneros nunca mudariam. As obras 100% formulaicas podem até ter uma breve aceitação, mas desaparecem. Falta-lhes o elemento do “novo”, e até o mais indolente, o mais embrutecido leitor acaba sentindo essa falta.

Com dificuldade para produzir uma definição estrutural para o conto (além da tríade começo-meio-fim) muita gente adota o comodismo de defini-lo pela extensão: o conto seria como um romance (não é), só que curto. Todo texto curto seria conto, e isso aparece com mais nitidez  nesses concursos de microcontos (de dez palavras, 100 caracteres, duas frases, seja qual for o critério), onde qualquer texto que satisfaça o critério numérico é classificado, porque “basta ser curto para ser conto”. Não é bem assim.

Microcontos de FC em 6 palavras? 

Bruce Sterling: “Era algo muito dispendioso, permanecer humano”. Para mim, não é um conto, é uma reflexão. 

Rocke S. O’Bannon: “Está atrás de você! Corra, senão---” Sugere mais um conto: há uma situação dramática clara, embora clichê. 

Howard Waldrop: “Choveu, choveu, choveu, e jamais parou”. Também cria uma situação dramática. 

Eileen Gunn: “Computador, trouxemos baterias de reserva? Computador?...” Mais uma vez, há uma situação dramática, mas isto se parece mais com um cartum do que com um conto; é um flash de um instante, cabendo ao leitor deduzir o que veio antes e o que virá depois. 

Quando criamos uma fórmula restritiva, quantitativa, o autor é obrigado a produzir uma pepita de ouro do tamanho encomendado.






2 comentários:

Wandique disse...

"É conto o que o autor diz que é" ...

Alex B disse...

O microconto não passa de uma forma barata de tapear o leitor!!!