segunda-feira, 20 de abril de 2015

3793) Uns títulos (21.4.2015)



Ouvi falar de um cara cujo romance lhe veio à mente de vez, praticamente pronto, e ele passou a limpo o texto durante alguns dias insones. Como tinha que dar um nome ao arquivo onde estava salvando o texto, e ainda não tinha uma boa idéia, olhou de lado, viu um chiclete sobre a mesa, batizou o arquivo como “Trident”, e salvou. Daí em diante ficou usando esse nome, coisa e tal, e aquilo foi se integrando de tal maneira à obra que na hora depois da revisão final, hora de mandar para a editora, ele chegou à conclusão de que seu drama existencialista sobre a vulnerabilidade do Eu na sociedade pós-moderna iria mesmo se intitular Trident, não porque isto tivesse alguma relação com a narrativa, mas porque ele não conseguia mais pensar no livro com outro título senão aquele.

Damon Knight afirmou certa vez, comentando uns contos de Avram Davidson: “Uma das minhas muitas teorias a respeito de contos é que tanto os seus títulos quanto as suas primeiras linhas devem ser memoráveis, porque se não forem memoráveis eles não serão lembrados, e se não forem lembrados os contos não serão reeditados (porque ninguém vai conseguir encontrá-los).”  Knight considera que um dos títulos mais memoráveis das histórias de Davidson é “Meu Namorado Chama-se Jello” (“My Boy Friend’s Name is Jello”). Ele diz que, mesmo tendo lido a história várias vezes, não consegue mais lembrar o que ela conta. Mas o título grudou.

Davidson é autor de um conto ganhador do Prêmio Hugo sob o título de “Or All the Seas with Oysters” (“Ou Todos os Mares com Ostras”). É uma alusão a Conan Doyle, do conto “O detetive agonizante”, em que Sherlock Holmes, doente, delira diante do Dr. Watson e especula sobre os oceanos e a quantidade de ostras que há dentro deles: “Francamente, não consigo compreender por que todo o leito do oceano não é uma única massa compacta de ostras, tão prolíferas me parecem essas criaturas”.  O título de Davidson, aliás, tem pouco a ver com o conteúdo do conto, mas é dos mais inesquecíveis que existem.

Eu tenho uma inveja inofensiva e sincera dos caras que deram a suas histórias ou seus livros títulos como “Sagarana”, “O Homem que Era Quinta-feira”, “Mas Não se Mata Cavalo?”, “O Ganido dos Cães Chicoteados”, “O Carteiro Sempre Toca Duas Vezes”, “Estrelas em Meu Bolso Como Grãos de Areia”, “Cinquenta Anos Falando Sozinho”, “Um Faca Só Lâmina”, “O Acrobata Pede Desculpas e Cai”, “Porque Eu Toquei no Céu”, “O Amor nos Tempos do Cólera”, “Neuromancer”, “Todos os Fogos o Fogo”, “PanAmérica”, “Será que Andróides Sonham com Carneiros Elétricos?”, “Claro Enigma”, “O Desastronauta”, “Os Frutos Dourados do Sol”, “Dormindo nas Chamas”.







2 comentários:

Zulmira disse...

Antes do baile verde, A estrutura da bolha de sabão, Viagem aos seios de Duília, Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon, O santo que não acreditava em Deus...

Jean disse...

Não pare