segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

3727) O Lote 49 (3.2.2015)



Thomas Pynchon é um desses autores que a gente lê tanta resenha de livro, e comentário, e teorizações onde ele é transcrito e citado como exemplo, que é como se já tivesse lido um livro do cara.  Eu li alguns contos e artigos, começos de vários romances e por inteiro somente The Crying of Lot 49 (“O Leilão do Lote 49”), de 1966.  É um livro enganosamente fino que se destaca numa obra como a de TP, de livros robustos, que vistos a meio metro podem ser confundidos com “A Song of Ice and Fire”. Pynchon é um dos criadores  de um hiperrealismo pop, energizado pela ciência, imprevisível pelo uso da fabulação.  Sua influência na FC está por toda parte: Gibson, Sterling, DiFilippo, K. S. Robinson, Tim Powers – cada um tem algo de Pynchon, de sua maneira de escrever nas entrelinhas da História.

Lot 49 é um livro sobre uma teoria da conspiração que a protagonista vai desvelando pouco a pouco, enquanto executa a tarefa de inventariar os bens de um amigo morto. Ela descobre, para seu horror, que existe um outro sistema postal funcionando dentro da América, um sistema que ela descobre chamar-se W.A.S.T.E. e ser gerido por uma organização invisível chamada Trystero.  É uma imensa rede postal subterrânea, clandestina, não-percebida pelas autoridades, e que também lida com malotes, carteiros, entregadores, selos, carimbos, viagens.  Uma verdadeira “deep web” inacessível, girando a todo vapor seu próprio mecanismo.

Oedipa Maas, mal começa a manusear os papéis de seu ex-namorado Pierce Inverarity, percebe sinais estranhos aqui, ali e em toda parte.  Não lembro se alguma daquela correspondências vindas, digamos, pela ferrovia subterrânea, é citada no livro de TP.  Porque seria fantástico descobrir que há séculos aquelas pessoas nada mais diziam umas às outras, mas para que o maquinismo não caducasse enviavam-se cartas em branco. Para que a hera da rede postal não murchasse.  Há séculos o sistema mantinha-se ocupado e competente à custa de uma atividade humana sem mensagem humana sendo trocada.

Alguns críticos torcem o nariz a Pynchon achando que nos livros dele as coisas acontecem mais parecidamente com o que acontece numa graphic novel do que com o que acontece num romance mainstream. James Wood criou o termo “hysterical realism” para a literatura de Pynchon, D. F. Wallace, Salman Rushdie, Zadie Smith e outros. Um realismo aparente, mas com uma proliferação surreal de efeitos especiais, de distorções e caricaturas, de absurdismo do cotidiano, forças dramatúrgicas imprevisíveis que nessa literatura ocupa a função antes reservada aos complexos psicológicos e às motivações de classe social.


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