A história de detetive é chamada de “whodunit” (por girar em torno de “quem fez”, quem praticou o crime) ou “howdunit” (“como fez”, como o crime foi praticado – entram aí todas as histórias de crimes impossíveis, crimes de quarto fechado, etc.). E existe também o chamado romance policial psicológico, o “whydunit”. Por que fez? Qual a razão do crime? O que se passa no interior da mente de quem mata?
The Book of Evidence de John Banville (O Livro das
Provas, Ed. Record, 2002, tradução de Maria Alice Máximo) é um romance curto e
denso (220 páginas), e se apresenta como o testemunho de um criminoso, Freddie
Montgomery, que se dirige ao juiz e ao júri para explicar as razões do crime
que cometeu. Banville é um estilista rico em recursos, e o criminoso vai
brotando de frase em frase, de parágrafo em parágrafo, numa narrativa autoexplicativa
que nos deixa perplexos.
Freddie é um exemplo consumado de “narrador
não-confiável”, não porque minta, mas porque, como acontece com todo
narcisista, seu entendimento das coisas é deformado pelo gigantesco campo
gravitacional do seu ego. “Nunca imaginei que aconteceria algo tão vulgar
quanto uma investigação policial”, diz ele em plena preparação do crime. Quando uma vítima o atrapalha um pouco, ele
reclama: “Não é justo que uma coisa assim aconteça!”.
A história tem alguns aspectos improváveis, mas foi baseada
em fatos reais, um crime célebre na Irlanda nos anos 1980, uma série de
acontecimentos que alguém na época definiu como “grotescos, sem precedentes,
bizarros e inacreditáveis”. O lado exterior dos fatos foi bastante comum; mas
todos se perguntavam: “Afinal de contas, para que diabo ele fez isso
tudo?” Um desses crimes cuja gratuidade
desconcerta qualquer análise. Crimes sem propósito nos fascinam. Somos capazes
de entender quem mata por dinheiro, por ódio ou por ciúme, mas crimes sem razão
aparente nos aterrorizam com o abismo espantoso do absurdo.
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