sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

3404) Ódromo (24.1.2014)






Pode-se contar a história de um idioma através das palavras que ele inventa quando precisa dizer algo pela primeira vez.  Isso vem desde a invenção da fala, então já estamos acostumados.  Uma coisa curiosa nesse processo são certos memes etimológicos, não sei se é este o termo, mas em todo caso – certas estruturas-de-formação-de-palavras-novas que se reiteram, se reproduzem.  Quando o Rio de Janeiro construiu a atual Passarela do Samba feita de concreto (substituindo as passarelas de armação desmontável que havia na Marquês de Sapucaí até o começo dos anos 1980), logo surgiu o nome “sambódromo”, dado (ao que parece) por Darcy Ribeiro. Não por semelhança ao hipódromo da Gávea, creio, mas porque na época o autódromo de Jacarepaguá vivia seus dias mais ruidosos.  (Também o nome da Praça da Apoteose, aliás, deve-se a um arroubo retórico de Darcy, numa de suas euforias criativas.)

Ódromo começou a significar “lugar adequado para tal coisa”.  Deve ter sido com o aumento das campanhas anti-fumo nos anos 1990 que cada escritório ou local de trabalho passou a ter um “fumódromo” onde os funcionários davam um tempo após cada cafezinho.  E Brasília inaugurou há algum tempo o Beijódromo, o Centro Cultural Darcy Ribeiro, o que mostra como um meme-palavra fica girando feito satélite em volta de um cara, até depois de morto.

Quando fizeram o camelódromo da Rua Uruguaiana sabiam que o fenômeno ia transbordar da Rua Uruguaiana, o que não imaginavam é que o nome fosse transbordar por cima de todo o Brasil.  Toda capital ou cidade de médio porte ou já tem um camelódromo, ou está construindo, ou ainda não sabe que precisa.

E foi aí que surgiu essa conotação guetorizante. Quando o pau quebrou e o fogo ardeu nas ruas do Rio ano passado, discutiu-se a sério a possibilidade de construção de um “manifestódromo” onde se poderiam realizar agitações daquele tipo.  Proposta prontamente avacalhada nas redes sociais.  E agora, devido ao impasse dos jovens paulistas que querem dar um “rolezinho” nos shopping centers, surge a proposta: “Vamos construir um rolezódromo!” 

Se a sugestão foi a sério ou por zoação, é irrelevante.  Ela me lembra a piada dos irmãos Marx, num filme em que procuram, desesperados, um documento. Groucho grita: “Procurem na casa ao lado!”. Alguém: “Mas não existe casa ao lado!”. Groucho: “Então mandem construir, e procurem nela!”.  No caso brasileiro, todo mundo percebe o paradoxo lógico de um lugar onde as pessoas são autorizadas a fazer coisas-sem-autorização.  É como uma gravura de Escher.   A questão não é o bizarro da idéia, é que existe gente capaz de pensar nisso a sério e de construir isso, se tiver a chance.


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