quinta-feira, 28 de novembro de 2013

3355) "O Pescador de Ilusões" (28.11.2013)





Revi este filme antigo de Terry Gilliam, que talvez seja o filme menos “Terry Gilliam” de toda sua obra. O diretor é conhecido pelas suas superproduções com direção de arte fantástica e barroca, enredos mirabolantes, verdadeiras “extravaganzas” como Brazil, o Filme ou As aventuras do Barão de Munchausen. Sua obra tem um pé na ficção científica, outro no gótico, e elastecendo a metáfora posso dizer que tem outros pés espalhados pelo steampunk, o surrealismo, o macabro, a magia-de-palco do século 19. Gilliam surgiu no grupo cômico Monty Python, mas embora seus filmes compartilhem com o MP um tom burlesco, satírico, exagerado, não são filmes de humor. Seus filmes não são engraçados. Pelo contrário – são cheios de situações que têm potencial cômico mas uma poderosa força gravitacional os arrasta o tempo inteiro para o território da angústia e do pesadelo.

The Fisher King conta a história de dois homens cujas vidas foram destruídas, e depois ligadas, por uma brincadeira de mau gosto de um deles. Jack Lucas (Jeff Bridges) faz um locutor de rádio que um dia, para parecer cínico e “blasé”, sugere a um ouvinte (com quem conversa pelo telefone, durante a transmissão) que vá a um bar de “yuppies” e fuzile todo mundo. Mal sabe ele que o sujeito vai fazer isso mesmo. A chacina arruína a carreira radiofônica de Jack.

Anos depois, ele, numa tremenda pindaíba, acaba conhecendo um morador de rua, Parry (Robin Williams) e descobre que Parry caiu na miséria depois que perdeu a esposa, morta justamente na chacina que ele involuntariamente ordenou. Daí em diante, começa uma história fantasiosa, tortuosa (o roteiro é cheio de três passos para a frente e dois para trás), às vezes sentimentalóide, mas geralmente simpática, em que esses dois sujeitos tentam reequilibrar suas vidas.

O “rei pescador” do título é, na lenda do Rei Artur, um rei ferido que busca sem sucesso o Santo Graal e acaba encontrando-o por acaso quando diz estar com sede e um maluco qualquer lhe oferece água numa taça. O maluco não sabia que taça era aquela: queria apenas dar a água. O Graal é a água, a empatia, a caridade, o desejo de ajudar alguém sem pedir nada em troca. É o contrário do gesto cruel de Jack, que deflagra a chacina (uma crueldade gratuita tão comum nos “humoristas” de hoje e nas redes sociais). O filme contrapõe estes dois gestos, o impulso da maldade-pela-maldade, só para se divertir, e o impulso da solidariedade desinteressada. São dois impulsos igualmente fortes no ser humano, e eu diria que a luta entre os dois é pelo menos tão importante quanto a disputa de duas facções políticas por cargos administrativos.


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