(Sebastião da Silva e Louro Branco)
A arte do repente é vítima de vários equívocos quando é
estudada nos livros. Estudar o repente de violeiros num livro é muito útil, mas
se o estudante não frequenta cantorias é como estudar futebol num livro e nunca
assistir sequer um jogo de pelada. De que adianta?
O repente é um verso feito em poucos segundos com a
obrigação de ser cantado naquele instante exato. O violeiro não pode “pedir
pausa” enquanto dá uma ajeitadinha nas rimas ou na ordem dos versos. Verdade
que em qualquer cantoria usa-se muito “balaio”, muito verso preparado. Isso é
outra coisa. Estou falando daqueles momentos, no transcorrer de uma cantoria,
em que a gente vê que tudo está sendo criado na hora, pra valer, no calor da
batalha.
Quando alguém pratica muito, consegue fazer tudo mais
depressa. Tem um repertório de saídas espertas para situações difíceis. Tem um
processo qualquer para acessar rapidamente uma palavra, uma rima, uma informação
guardada na memória. Já é capaz de dividir o problema, instantaneamente, em
diferentes blocos, e resolvê-los em paralelo, quase que com diferentes
cérebros. Tem o talento de desligar a chave da emoção, para que a angústia da
dúvida ou o pânico de errar não o atrapalhem. A emoção se canaliza para o
sensorial, e o cantador vê-se vibrando em uníssono com o diapasão do recinto;
canaliza-se para a memória, para o “jogo de Lego” da verbalização metrificada.
A Cantoria é poesia acima de tudo, mas não é só a poesia, a
palavra. Tem um lado indispensável que é feito de música; e tem outro, também
essencial e meio indefinível, que pode ser chamado de performance, de canto, de
representação teatral, de articulação oral, de histrionismo. A Cantoria não
repousa somente na substância verbal de uma sextilha, mas (para os
privilegiados que a acompanham ao vivo) o modo como se encaixou na sextilha do
parceiro, o modo como a rebateu ou confirmou, o tom com que foi cantada, as
nuances de voz ou de expressão. Um pouco disso passa para o vídeo, a TV, os
clipes de cantorias no YouTube.
Para o livro, passa pouco. Por isso, talvez, criou-se desde
muitos anos, na literatura sobre Cantoria, uma figura de linguagem quase
obrigatória. Quando o autor quer citar uma grande estrofe, primeiro diz quando
se deu o fato, faz uma breve descrição do ambiente, cita a sextilha precedente
(ou mais frequentemente os dois últimos versos dela), e só então transcreve a
sextilha que está citando. Porque sabe o quanto ela dependeu do momento, do
contexto.
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