terça-feira, 16 de outubro de 2012

3004) O mundo não acabou (16.10.2012)




Enquanto restar um único jornal capaz de publicar a manchete “O mundo acabou!”, o mundo não terá acabado. Notícias sobre o fim do mundo são um passatempo a mais dos jornalistas, porque a toda hora, em algum país, tem um sujeito meio desnorteado interpretando febrilmente sinais aleatórios e dizendo que o Fim está próximo. Como aconteceu agora em Teresina, onde o ex-zelador Luís Pereira dos Santos conseguiu reunir um grupo de 100 pessoas firmemente convencidas de que ele dizia a verdade ao profetizar que o mundo acabaria no dia 12 de outubro. Luís largou o emprego, se desfez dos seus pertences, atraiu essa multidãozinha de crentes e mandou que todos se preparassem. O mundo mais uma vez recusou-se a se acabar e Luís acabou preso. Segundo ele, Deus resolveu fazê-lo passar por uma provação e impediu que o mundo acabasse, apenas para castigá-lo.

Está tudo aí: a megalomania (tudo que Deus faz é por causa dele), a visão do final apocalíptico, a quebra das normas sociais (as pessoas largaram tudo e foram amontoadas em duas casas, as crianças abandonaram a escola), a busca inconsciente da simetria (“Jesus enviou anjos aos quatro cantos”) e a regurgitação do visionarismo bíblico, uma das formas mais poderosas de aliciamento do inconsciente coletivo (“haverá choro e ranger de dentes”, “noites de trevas”, “a Besta sairá do abismo”). No dia aprazado, o mundo continuou indiferente a eles (em geral, essas coisas ocorrem a quem é tratado com indiferença pelo mundo) e a polícia foi lá desfazer a “arca”, com medo de que houvesse distribuição coletiva de veneno (como ocorreu com a seita do pastor Jim Jones, na Jamaica).

Luís é doido? Um pouco mais do que eu, que há alguns anos estou vendo sinais do fim do mundo por toda parte. (Até quando os governos conseguirão fabricar trilhões de dólares para saciar a Besta Especulativa? Até quando devastaremos o planeta sem que a rebordosa caia sobre as cabeças dos nossos filhos e netos?). Como não sou doido, faço de conta que o mundo não acabará nunca e fico aqui escrevendo meus artigos, abrindo minha cerveja e acompanhando o Campeonato Brasileiro. Luís pertence àquela classe social cuja existência é uma luta perpétua contra o afogamento. Fim do mundo é apenas descer mais um degrau. A classe média se diverte com o calendário maia porque está confiante de que agora os ventos sopram ao seu favor, e pode brincar de ter medo. Por baixo dela, existem os eternos sobreviventes provisórios do Moedor de Gente, que se agarra na Bíblia como a uma boia salva-vidas.  Para eles, o mundo acaba todo dia e recomeça todo dia, e não se sabe qual das duas coisas é mais terrível.


Um comentário:

Anônimo disse...

Perfeito, seu talento para usar as palavras é fantástico