quarta-feira, 10 de outubro de 2012

2999) A canção ou o disco (10.10.2012)



Um aspecto interessante da criação artística é a importância das obras que são na verdade um conjunto, um feixe de obras menores.  Eu sempre digo aos jovens poetas que a obra de arte é o poema, e não o livro de poemas. Cada poema deve ser trabalhado para si mesmo, sem pensar em mais nada, a não ser o que está sendo dito e como está sendo dito. Quando vamos organizar um livro de poemas, no entanto, é preciso harmonizar essas obras, encontrar um conjunto com variedade, que seja interessante e produza uma impressão forte no leitor. O livro de poemas é uma obra associativa; a gente não o escreve, apenas o organiza em função de um material já existente.

O mesmo se dá com o livro de contos e com o álbum de canções.  A crítica de rock já debateu muito o fato de que quando os Beatles surgiram o veículo das canções de rock era o “compacto” ou “single”, e que um LP ou álbum era um mero empacotamento de 12 canções. Os Beatles foram os primeiros que viram o álbum como um conjunto a ser trabalhado, e criaram o “álbum conceitual”, onde o perfil e a idéia central eram concebidos em primeiro lugar, e depois eram escolhidas ou compostas as canções que iriam corresponder a esse conceito; o exemplo típico é Sgt. Pepper’s.

Na música tivemos momentos em que se alternaram a canção e o álbum como produtos comerciais e como obras de arte. Na literatura, no entanto, o conto raramente foi um produto comercial por si só. Como obra de arte, ele cedo estabeleceu sua importância; mas não como produto. Nenhum leitor comprava um conto: comprava uma revista de contos, ou um livro de contos. A transação comercial do conto existia entre, p. ex., o autor e o editor de uma revista; mas o público só tinha a opção de comprar um conto comprando uma obra coletiva que o incluía.

Agora, com a publicação digital, isto está mudando. No saite de muitas editoras e de livrarias virtuais como a Amazon, pode-se comprar um conto isolado por 0.99 ou 1.99 dólares, o que, dependendo do tamanho e da qualidade da obra, é um ótimo preço. Muitas vezes precisamos ler um conto específico de um autor mas ele só está disponível num volume de 400 páginas que custa 65 reais. Eu pagaria satisfeito 5 e até 10 reais para ler um conto que preciso ler urgentemente, até por motivos de trabalho (inclusão numa antologia, citação num ensaio, etc.). A existência de um mercado específico de contos nunca foi tão possível quanto agora. Seu único defeito é que pode afunilar o mercado aumentando a popularidade dos contos famosos e deixando na obscuridade os contos menos conhecidos, que antes se beneficiavam da inclusão em livros para serem descobertos pelo leitor. 


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