sábado, 25 de agosto de 2012

2959) O primeiro uísque (25.8.2012)


O primeiro uísque desceu queimando e desceu bem, labareda, vida boa garganta adentro, vertigem e turbilhão de desafio, vontade de dizer na cara de tudo, “pode vir quente que eu estou fervendo, sou imortal, não tenho medo de nada”, pé dentro no acelerador pra não chegar atrasado, para já estar lá, soltando uma gargalhada com a piada que Vivi Catanduva acabara de dizer, por entre o ruído das vozes e da música do coquetel, uma piada maldosa e compassiva, se é que isto pode haver, piada que ela torceu pelo canto da boca sem tirar os olhos do autor que, suado, autografava e sorria, posava para as fotos e os olhares. Foi a vez de Lucio Manhães balançar seu próprio drinque e comentar qualquer coisa inesquecível, enquanto os garçons passavam erguendo as bandejas por sobre as cabeças da multidão que se espremia. Eu vivia ali um pequeno momento de glória, os quinze microssegundos de fama das Edições Marco Franchesi, porque naquela noite tudo estava dando certo, meu autor estava vendendo espantosamente bem e me fazendo um homem rico, era a oitava noite de autógrafos em um mês, em oito capitais, a imprensa não largava o nome dele, como um cão não larga um osso. Na passagem do próximo garçon pesquei o segundo uísque, enquanto a voz de mulher ao meu lado murmurava, “Marco, vai devagar, você está correndo muito”, mas um uísque é pouco, dois é bom, dois dão o fogo ideal para dissolver na boa o turbilhão feérico de vozes e suores e perfumes, de multidão comprimida numa livraria da moda, a sensação de que meu modesto ombro está fazendo avançar o carro-de-boi da História.  Este segundo uísque é aquela bênção, aquela chancela de invulnerabilidade e deleite, aquela licença de entrar sambando no Paraíso. Segundo uísque é como segundo soco, pega o vitimado com 50% de si mesmo. E rápido.  Frase vai, frase vem. Quando vejo estou com o terceiro na mão. Olho o copo, um círculo com cubos de gelo translucentes, entrechocantes. Fico hipnotizado. Sinto algo fremir de encontro à minha perna, e uma melodia espalhafatosa que nunca escolhi emerge do meu celular. Ao meu toque, a tela revela uma estrada, à noite, imagem nítida que eu seguro, como um espelho. A traseira de um caminhão. Ele dá sinal de lanterna à direita. A guinada, a ultrapassagem, a aceleração, a constatação súbita dos dois gigantescos faróis à frente. O copo de uísque se espatifa no piso. Exclamações. Lucio Manhães faz gestos pedindo serviçais e esfregões. Vivi Catanduva ainda agarra convulsa o celular, numa crise de choro: “Me ligaram agora, meu Deus, uma tragédia com Marco Franchesi, ele e a esposa, vindo para cá, meu Deus, que coisa... Ele me disse que não perderia de jeito nenhum essa festa.”

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