domingo, 19 de agosto de 2012

2954) A arte de ver (19.8.2012)



(foto: Roberto Kusterle)


Estar virado na direção certa no momento certo. A visão é limitada, é uma escolha.  Se tivéssemos visão em 360 graus à nossa volta, como talvez alguma medusa aquática jupiteriana seja capaz de ter, então os pontos de referência seriam outros. Não sendo assim, como provavelmente não será, é preciso optar a cada segundo de uma história, como uma galinha nervosa que quer fotografar tudo primeiro com um olho, depois com o outro. O que fazer? Olhar a rua pela janela, ou olhar para o número que alguém disca no telefone? Olhar pelo retrovisor para saber afinal de contas o que diabo esse maluco está tentando fazer, ou olhar para o ônibus colado meio metro à frente, prontinho para ser ultrapassado?  “Antes mesmo de ver, preciso decidir em que direção quero ver”.  Saber o que ver em seguida. 

O enquadramento, a maneira automatizada, invisível, de escolher o que olhar.  Comparar a trêmula imagem na câmara escura da mente e a elusiva imagem na chapa de vidro. Onde foi que não vi direito?  Onde foi que vi, mas não notei?  O que vi agora confere com o que eu, ou alguém, tinha visto antes?  Esse detalhe que parece tão típico não será igual a este outro, cultivado por aquele outro grupo?  A mente registrando e fatiando tudo como uma guilhotina horizontal e velocíssima, tomografia instantânea.  Quem está enxergando a curva, pensou ele, percebe claramente quando um ponto qualquer destoa dela.

Quem sabe o Mal que se oculta no coração humano, além do Mal?  O Sombra, o grande herói pulp de Maxwell Grant, também sabe, mas o Século da Psicologia (certamente o século 20 foi o melhor de todos para essa ciência) abriu esse interessante território para a literatura sobre crime. O baú de Psiquê. Tudo ver significa tudo pressentir, tudo deduzir, tudo percorrer, tudo investigar, duvidar de tudo e em quase tudo meio que acreditar. Tentar ver tudo por todos os ângulos, mas não se deixar enganar quando tiver que de fato ver e decidir.

Também não é ver apenas o que está presente e diante.  É ver no sentido de ter visto tudo, ter registrado tudo, fotografado e indexado tudo.  Ver é registrar.  Ver é guardar o visto na memória, ou, com a ajuda de alguma engenhoca técnica, no imprevisível futuro. Imagine-se uma mente capaz de ver – de colocar lado a lado e comparar – todas as imagens do monte Kilimanjaro. Com um programa de busca adequado e processamento bastante, seria possível criar uma nova imagem, inédita, mas que a todos pareceria “a que tinham visto no cinema há ‘x’ anos”. Não perceberiam jamais uma manipulação, mesmo simples como a que foi feita. Meia dúzia de jornalistas percebe isso, e estranha, mas fica tudo por isso mesmo.



Um comentário:

andré gustavo disse...

o que seria a mente humana se tivesse seu poder de percepção multiplicado algumas vezes? o que seria nosso organismo? passar por um lugar e perceber todos os detalhes nos arredores sem precisar lá voltar uma outra vez? o mesmo se dando com filmes, músicas ou quadros? ouvir todos os intrumentos que arranjadores dispõem em uma canção e que muitas vezes não não são notados por ouvintes desatentos? explorar a mente: ainda somos amadores nesse esporte radical...