Faleceu dias atrás este famoso escritor e ilustrador de
livros infantis. O canal Max Prime
exibiu um documentário sobre ele, co-dirigido por Spike Jonze. Nunca li nada de Sendak; dele só conhecia o
nome e o traço, inconfundível, além da fama do seu principal livro (que agora
estou me coçando pra ler) Onde os Monstros Estão (“Where the Wild Things Are”,
1962). No documentário, realizado nos
seus anos de velhice, Sendak é um homem triste, atormentado, cheio de
angústias. Ele fala do seu enorme desajustamento com o mundo, da dificuldade em
admitir que era gay (os pais morreram sem saber), das perseguições da censura
porque seus livros infantis não eram muito politicamente corretos. E narra duas histórias que me ficaram na
mente.
Diz ele que na infância causou involuntariamente a morte de
um amiguinho. Os dois estavam jogando
bola, Maurice arremessou a bola longe demais, o outro garoto saiu correndo para
ir buscá-la, sem olhar para os lados. “No momento seguinte, eu o vi voando
pelos ares”. O menino morreu atropelado,
e Maurice passou dias trancado no quarto, com medo da vingança da família do
outro. O medo não diminuiu nem mesmo
quando os pais do garoto foram à casa dele consolá-lo e dizer-lhe que ele não
tinha culpa.
Sendak, nascido em junho de 1928, acompanhou na infância o
crime mais famoso da época, o rapto do bebê de Charles Lindbergh (o aviador que
tinha atravessado sozinho o Atlântico, e virou herói nacional nos EUA). O bebê,
de 18 meses, foi raptado por alguém que queria resgate, e no país inteiro não
se falava noutra coisa. Sendak viu um
dia, numa banca de jornais, a foto do corpo do bebê, que acabava de ser
encontrado morto num arvoredo. Nos dias
seguintes, todo mundo negava a existência dessa foto. Anos depois, já grande,
Sendak conheceu um pesquisador do caso que lhe mostrou a foto, em que o cadáver
do bebê aparecia de perfil, indicado por uma seta. A foto saiu apenas na primeira tiragem do Daily News no dia do achado, mas a pedido da família foi omitida nas
impressões seguintes. Isto foi em maio de 1932; Sendak tinha quase quatro anos.
“A foto nunca saiu da minha mente”, diz ele, “porque eu achava que se o filho de
um homem rico e famoso podia ser morto, o que dizer de mim?”. Traumas de infância podem não determinar que
alguém vai virar escritor, mas em geral colorem de maneira irremediável o que
esse indivíduo vai ser. Morte, violência
e medo estão diluídos, sublimados e “negociados” nas histórias de Sendak, que
nunca perdeu o senso de humor. No documentário,
ele pergunta ao camera-man: “E você, acha alegria nas coisas?” O câmera:
“Sim”. E ele: “Como se atreve?!”
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