O
tráfico de drogas e a escalada do combate militar aos traficantes está
produzindo uma tal situação no México que dias atrás, no “Jornal Nacional”, a
apresentadora Patrícia Poeta afirmou tratar-se de “uma guerra violentississsíssima”
(sic). (O que me lembra o famoso verso de Drummond, dirigindo-se ao Deus da
Comunicação: “Eis-me prostrado a vossos peses, / que sendo tantos todo plural é
pouco”). Toda ênfase é pouca para
qualificar a hecatombe mexicana, uma inebriação pela violência que parece
corresponder a um software embutido no DNA daquele bravo povo, capaz de fazer
do Dia dos Mortos um carnaval.
Dois
livros recentes têm como ambientação essa guerra insensata dos “narcos” como
são chamados lá os traficantes. Uma é Onde os Fracos Não Têm Vez de Cormac MacCarthy (filmado pelos irmãos Coen),
que começa com um ligeiro desentendimento entre bandidos durante uma transação
de drogas no meio do deserto, que resulta na morte de todos os envolvidos. Uma maleta com 2 milhões de dólares vai parar
na mão de um veterano da Guerra do Golfo, e daí em diante ocorre um banho de
sangue, promovido por criminosos que querem tomar-lhe o diabo da maleta. É uma
dessas histórias sobre um objeto maldito do qual todo mundo quer se apossar, e
que causa a morte e a desgraça de todo mundo.
Outro
livro é 2666 de Roberto Bolaño, que não é bem sobre drogas, mas relata
dezenas de mortes violentas e misteriosas ocorridas no distrito de Santa
Teresa. O México parece estar passando
por uma situação de pré-caos social, mais ou menos como ocorreu com a Colômbia
alguns anos atrás. (Não que a Colômbia seja agora um paraíso, mas ao que parece
a crise baixou um pouco a fervura.)
Bolaño era chileno, morou muitos anos no México; este seu último romance
exprime um pouco desse inferno social, em que todo mundo está à mercê de uma
brutalidade inexplicável, de um momento para outro. E que vigora também em algumas áreas do
Brasil.
Numa
resenha ao livro de Bolaño, “Slouching towards Santa Teresa”, Adam Kirsch cita o
poema “A Segunda Vinda” de Yeats (“que bruta fera, agora que soou sua hora,
rasteja rumo a Belém para por fim nascer?”) e comenta que Bolaño parece ver
nessa violência insensata e gratuita que assola o México (e o mundo) o sinal de
um realinhamento cósmico. Ele lembra a
frase casual de uma personagem do livro: “Ninguém dá atenção a esses crimes,
mas o segredo do mundo está oculto neles”. Provavelmente está, e, como acontece
com todos os segredos, não os enxergamos por serem grandes demais, evidentes
demais. Caminhamos sobre eles como se
pisássemos um mapa gigante com palavras que não conseguimos enxergar por
completo.
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