sábado, 22 de janeiro de 2011
2460) “Europa 51” (22.1.2011)
Este filme de Roberto Rossellini faz a ponte entre o neo-realismo italiano do pós-guerra e o cinema dos anos 1960, chamado de “realismo crítico” e que teve como grandes nomes Antonioni, Visconti, Pasolini, algumas obras de Fellini, etc. Europa 51 já se afasta do neo-realismo (uma escola de filmes feitos nas ruas, com personagens populares, atores não-profissionais, “modus operandi” de documentário) em ser parcialmente ambientado nos apartamentos da alta classe média. Irene (Ingrid Bergman) é a esposa norte-americana de um industrial e sofre uma crise ao perder o filho de doze anos. Influenciada por seu primo, um jornalista marxista, começa a frequentar favelas e a se comover com o destino dos pobres. Torna-se um desses personagens que, sem ideologia política ou fé religiosa, sentem a compulsão de fazer o bem e de ajudar pessoas que antes eram-lhe invisíveis. Irene é um desses personagens que tateiam o mundo em busca do caminho de uma possível santidade. Como o Nazarín e a Viridiana de Buñuel, como vários personagens de Pasolini, como o São Francisco cuja vida o próprio Rossellini filmara em 1950, como o Rocco de Visconti (cada um desses personagens com nuances bem diferenciadas), Irene tenta justapor a um mundo áspero e pragmático um ideal intuitivo, não-racionalizado, de bondade, caridade e fraternidade.
A beleza nórdica de Ingrid Bergman faz um contraste interessante com os rostos mais feios, porém imensamente mais vívidos e reais, dos pobres com quem ela contracena. Estrangeira no país, ela é mais estrangeira ainda naquele mundo de pessoas que convivem diariamente com a doença, a violência, a fome e a morte. Aos poucos ela abandona a família (como os personagens de Pasolini em Teorema) e acaba sendo internada numa clínica para doentes mentais, onde nem o psiquiatra nem o padre conseguem entender com clareza qual é o mal de que ela sofre. Sua santidade fora de lugar contrasta incrivelmente com a personagem Passerotto (Giulietta Massina), uma mãe solteira de seis filhos, incorrigível namoradeira, e que tira de letra todos os problemas do cotidiano. É para que Passerotto não perca um emprego que Irene a substitui em alguns dias de trabalho numa fábrica de papel, onde parece entender pela primeira vez o gigantismo das engrenagens que tornam possível o mundo de onde ela vem.
Outra sequência notável é quando Irene caminha pela clínica e encara as loucas, uma por uma, que olham para a câmara com diferentes graus de desequilíbrio e com expressões “uncanny” de total alienação, desenraizamento, perda de contato humano; ainda assim, Irene ajuda a salvar uma mulher que tenta se enforcar. Acalma-a com as mãos e o olhar, e lhe diz: “Você não está sozinha”, antes de deitar-se ao seu lado, como fizera com o filho, antes da morte dele. Na cena final, somente os pobres que ajudara parecem compreendê-la; ela não tem lugar no seu mundo pequeno-burguês, e caberá a Antonioni na década seguinte mostrar que mundo é esse.
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2 comentários:
Comentário não exatamente sobre a crônica deste dia. Só quero deixar o link para um modesto post que acabo de redigir no meu blog sobre você:
http://elviswolvie.blogspot.com/2011/01/braulio-tavares.html.
VAleu, Elvis.Estive lá e vi todas as entrevistas.Ótimas!
Mas aquele cordel do robert johnson, rapaz, é de encher as medidas...
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