sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

2459) Drummond: “Política” (21.1.2011)



Existem mil histórias de poetas que entram para a atividade político-partidária e se desiludem. O exemplo mais trágico é Paulo Martins (Jardel Filho) em Terra em Transe.

Um Dom Quixote se debatendo num mundo de Sanchos Panças. Um Jesus destrambelhado chutando-o-pau-da-barraca dos vendilhões do templo. Um idealista que foi naquela velha onda do “sonhar mais um sonho impossível...” e quando viu tinha cochilado ao volante e quem o acordou foi a colisão com o muro do Palácio do Governo.

Em seu livro Alguma Poesia, Drummond dedicou ao seu amigo Mário Casassanta (intelectual e educador, que veio a ser reitor da UFMG) o poema “Política” em que relata algumas melancolias desse personagem-tipo:

Vivia jogado em casa.
Os amigos o abandonaram
quando rompeu com o chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.
Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a Câmara em exercício.

Vidinha antipoética, não é mesmo? Triste do poeta que para saber-se poeta depende dos elogios da imprensa ou dos amigos. Não que os dois não tenham importância, mas escrever poesia é uma façanha íntima que se esgota na página e na consciência do valor da página recém-escrita; o resto é política, é marketing, é comércio editorial.

E tem gente que para ser chamado de poeta é capaz de tudo, até de escrever poemas, mesmo não gostando de fazê-lo. Não buscam a poesia. Buscam o elogio do jornal governista (ou do oposicionista, o que dá no mesmo).

Entrou a tomar porres
violentos, diários.
E a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos.
Se só os outros poetas eram imitados.

Ter discípulos e imitadores é o horizontezinho de expectativa do nosso personagem; como não achar uma graça cruel nas desgraças que sofre? Mas para o cristão Drummond todo mundo é capaz de se auto-destruir por dentro, de renascer, de se auto-salvar:

Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque
saiu à toa pelas ruas escuras.
Parou na ponte sobre o rio moroso, o rio que lá embaixo pouco se importava com ele
e no entanto o chamava
para misteriosos carnavais.
E teve vontade de se atirar
(só vontade).
Depois voltou pra casa
livre, sem correntes
muito livre, infinitamente
livre livre livre que nem uma besta
que nem uma coisa.

É o grito de ruptura do cara que percebe o grande engodo da política, onde “amizade” significa gratidão cega e lealdade não-crítica. O poeta dá um chute nos engodos e foge para um “rio” que lhe promete “misteriosos carnavais”.

Por outro lado, é o rompimento com a forma tradicional de poesia, parnasiana ou simbolista. Se Bilac quisesse falar sobre esse assunto aí escreveria um soneto, “A Desilusão de Péricles” ou coisa parecida. Drummond frita aquele conjunto de ilusões poético-alegórico-mitológicas no óleo fervente do coloquialismo, do jornalismo, do modernismo, da poesia livre que nem uma coisa.





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