segunda-feira, 4 de outubro de 2010

2364) A entrevista de Vandré (4.10.2010)




A TV Globo exibiu a entrevista feita por Geneton Moraes Neto com Geraldo Vandré, feita no dia em que este completou 75 anos. 

Foi ótimo para desmentir os boatos que ouvi nas últimas décadas: Vandré ficou doido, Vandré aderiu aos militares, Vandré está com depressão profunda, Vandré perdeu a memória, Vandré está incoerente. 

Pelo contrário. O autor de “Ventania” se tornou um cara ensimesmado, solitário, introvertido. Isto se soma à idade e à desilusão com a música para dar uma imagem diferente do cantor passionário e grandiloquente que arrastou multidões. Mas Vandré mostra em toda a entrevista ser um sujeito tranquilo, articulado, de vez em quando bem-humorado e brincalhão. 

Ajuda a desmontar algumas das lendas que se criaram em torno dele, recusa com sensatez e bons argumentos a pecha de “antimilitarista”, rejeita o ambiente de showbiz que se criou para a MPB de hoje. 

Foi uma das entrevistas mais sensatas e equilibradas que vi de um músico brasileiro, mesmo discordando de algumas de suas opiniões. Vandré só parece um excêntrico porque não exibe o comportamento dos compositores e cantores de hoje, cheios de frasezinhas espirituosas, caras e bocas, humildade fingida, etc. É um cara que olha de frente para a câmara e diz: “Perdi a guerra, paciência, a vida continua”.

Vandré era de uma faixa radical da MPB que unia de um lado a visão-do-mundo marxista e nacionalista, e do outro a curiosidade pelas formas populares e “folclóricas” de escrever e compor. 

Suas melhores canções pertencem a esta linha: “Disparada”, “Caminhando”, “Cantiga brava”, “Aroeira”, “Requiem para Matraga”, “Porta Estandarte” e tantas outras. Mas suas canções de amor, bem trabalhadas e de melodias intensas, são igualmente fortes: “Quem quiser encontrar o amor”, “Pequeno concerto que virou canção”, etc. 

Seu talento ninguém discute. O que se discutiu na época foi sua aposta kamikaze no confronto ideológico. Compositores igualmente engajados (Chico Buarque, Edu Lobo, Sérgio Ricardo, etc.) souberam recolher as velas e se manter à tona na hora da tempestade. Vandré tentou beber a tempestade. Não conseguiu.

Vandré diz que a única coisa da MPB que lhe chamou a atenção nas últimas décadas foi o Movimento Armorial. Isto mostra que seu esquerdismo pode ter se atenuado com o tempo, seu nacionalismo não. O Armorial não faz a música que ele fazia, mas certamente faz a música que ele gosta de ouvir. 

Vandré não aceitava a guitarra, não aceitava o Tropicalismo, as roupas de plástico, a parafernália pop. Perdeu a guerra, porque foi esse modelo que se impôs na música brasileira. Não como modelo único (ainda há espaço para numerosos seguidores do próprio Vandré), mas como modelo predominante, preferido pela mídia e enriquecedor. 

Vandré tem suas razões para balançar a cabeça e dizer: “Tô fora”. O que fez é inapagável, definitivo, mas ele não quer voltar a fazê-lo. Vandré foi o artista de um momento único, e passou com esse momento.





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