sexta-feira, 20 de agosto de 2010

2325) Autores que não li: Proust (20.8.2010)



A frase famosa é de Jorge Luís Borges, já não me lembra onde: “Que outros se orgulhem dos livros que escreveram; eu me orgulho dos livros que li”. Bela humildade, a de Borges, mas eu sou mais humilde do que ele, e me orgulho dos livros que não li. Este orgulho eu os divido com os fantasmas dos homens que escreveram esses livros, como se dissesse a cada um deles: “És grande, ó Tetrarca! Eu, que tantos templos já invadi, não me julguei digno sequer de acessar o teu. Tua inteligência é maior que a minha. Agora vai embora daqui, antes que eu perca a paciência e te aplique uns cascudos!” Já dirigi esta reprimenda a Marcel Proust, o dos bigodes encerados, ou, como diz um irreverente amigo meu, “aquele escritor que molhava o biscoito”.

De Proust só li as primeiras 50 páginas de um ou outro livro, e os trechos transcritos em ensaios que devorei de olho atento e caneta em punho, sublinhando para sempre. Deixei-me intimidar pelo tamanho do Em Busca do Tempo Perdido, pelo elenco de centenas de protagonistas e milhares de figurantes. Curiosamente, nunca me intimidei pelo famoso “parágrafo proustiano”, que dura páginas e mais páginas, e cria na sintaxe o que as gravuras de M. C. Escher criam na perspectiva. Isso antes me deleita que me assusta. Meu medo sempre foi ter que interromper a leitura por um mês e depois não conseguir mais distinguir o Marquês Fulano do Barão Sicrano, porque confesso que quando um sujeito ostenta um título eu fico com dificuldade de enxergar o sujeito.

Uma vez vi num sebo carioca um balcão tomado por uma “chegada” recente: cerca de 300 livros de e sobre Proust. Fiquei vendo aqueles volumes em meia dúzia de idiomas, de todos os tamanhos, uns antiquíssimos, outros recentes, e todos mostrando na lombada o recorrente nome. Me bateu então o peso da repercussão de uma obra que é como uma avenida por onde todos têm que passar e eu (ai de mim) nunca passei.

Há cerca de dois anos, num evento literário, encontrei Ariano Suassuna e ficamos conversando num grupo de pessoas. Um comentário de alguém levou Ariano a citar uma frase de Proust, e depois fazer um longo elogio do autor francês. Aí ele virou-se para mim e disse: “Você gosta de Proust?” Era tão fácil dizer que gostava! Mas eu confessei que nunca tinha lido. Ele bateu com a mão na perna e exclamou: “Mas precisa ler! Tem que ler! E nós temos inclusive traduções excelentes, como as de Mário Quintana, por exemplo”. Passou uns cinco minutos elogiando Proust, e eu já estava com uma desculpa na ponta da língua: que são 8 ou 9 volumes, é muita coisa, não tenho tempo... Mas aí Ariano encerrou: “Ave Maria, é tão bom que só de falar está me dando vontade. Ano que vem vou ler tudo de novo”. Quando alguém com mais de 80 anos diz isso, tem que ter um significado. Pra mim (que nunca li Proust) é o seguinte: que enquanto um indivíduo tiver uma alma viva, um cérebro funcionando e um coração batendo, nenhum tempo é tempo perdido.

6 comentários:

Fidélia disse...

É uma pena. Também nunca li Proust, mas depois dessa, vou ter que criar vergonha e arranjar tempo, nem que seja quando tiver, se tiver, 80 anos ou mais. Uma esperança ao menos!!

Wandson Azevedo disse...

Que coincidência (?), recentemente comprei "Em busca do tempo perdido" e vim aqui no blog procurar algo sobre Proust. Não havia nenhum marcador com o nome dele, o que estranhei.

Confesso que relutei muito antes de adquiri-la, justamente por ser uma leitura extensa que com certeza exige muito tempo e atenção. Mas acho que valeu a pena adquiri-la, pois é um bem precioso que me espera no futuro.

ps.: o comentário de Ariano foi instigante!

Lucas Jerzy Portela disse...

Seu artigo sofre de um problema: trata Proust como livro.

Mas não é: é uma pessoa em forma de folhas.

Nós leitores proustianos SEMPRE interrompemos um volume por não meses, mas anos.

Porque Proust não é algo que se "lê". Proust é um amigo.

Roland Barthes disse-o bem:

"o maior escritor do mundo talvez não tenha um leitor sequer, apenas amigos: Marcel Proust"

no mesmo ensaio em que ele diz que "Estou lendo Proust" não é metonimia: Marcel não escreveu o Tempo Perdido, ele fez-se livro.


se você não compreender isso, nunca vai lê-lo. Em Busca Do Tempo Perdido não é uma grande obra literária. É apenas um excelente amigo, com que se convive a vida inteira sem nunca chegar ao fim.

Lucas Jerzy Portela disse...

vai agora um comentário de um proustiano convicto, ofendido:

- não são "8 ou 9 volumes". São sete. Porque são sete as proporções de uma Ogiva Gótica sengundo Edgar Ruskin.

se você não se deu conta disso no arranjo temático e de títulos do Em Busca Do Tempo Perdido (exemplo: o volume "do meio", do alto do arco gótico, é Sodoma e Gomorra: os anjos e os gargulas, os sem sexo e os com dois sexos) - se você não sabe nem disso, realmente não merece ter o prazer de ter Marcel como amigo jamais!

Braulio Tavares disse...

Pedrão, Lucas, não quis ofender ninguém! Falei apenas que não li os livros dele, mas tenho certeza de que é um grande escritor, êpa, um grande amigo.

Cris disse...

Braulio, não peça desculpas por que nao leu Proust. Eu só li o 1° vol. e até hoje lamento o tempo perdido. Não espero o perdão do Suassuana, a quem muito admiro e cujo Auto da Compadecida - sozinho - vale mais que toda a obra do Marcel. Os outros volumes, não li e não gostei. Assim como não gostei das 50 págs de Joyce q heroicamente consegui vencer. Não nego o valor de nenhuma dessas obras "veneráveis", apenas me dou o direito e o prazer de dizer: não gosto. Ponto. E daí?