segunda-feira, 21 de junho de 2010

2173) Escalando o Empire State (24.2.2010)



Decido jogar-me lá do alto, e escalo a parede, usando luvas e botas com ventosas. Os primeiros andares são os mais difíceis. Tentam alcançar-me com escadas Magirus. Sou forçado a fazer prodígios de esquiva, escapo por pouco e vou subindo. A curiosidade é maior que o desespero e não fecho os olhos.

Vejo escritórios onde os rostos das secretárias estão iluminados pelo reflexo azulado dos monitores Samsung. Vejo uma sala de reunião, a imensa mesa de mogno luzidio a cuja cabeceira um homem de cabelos brancos, sozinho, olha para o relógio e para a mesa com dezoito blocos de anotações em branco, dezoito canetas esferográficas, dezoito copos dágua. Vejo paredes cobertas por enormes arquivos de metal onde os mesmos processos administrativos estão xerocados e arquivados, aqui por ordem alfabética, ali, por ordem geográfica, acolá por ordem cronológica. Vejo uma sala em que um telefone toca sem parar, e vejo um homem sentado diante dele, segurando o receptor e sem coragem de atender.

Vejo mais acima um aposento que serve de depósito de casacos de pele, são mais de trezentos casacos de pele, dos modelos mais variados, e pertencem todos a um casal famoso. Vejo um homem segurando, uma em cada mão, uma taça de vinho e uma taça de água, sem conseguir distinguir uma da outra. Vejo um andar inteiro com piso de madeira; pessoas penduram-se em ganchos pendentes do teto, enquanto que o semicírculo superior de uma serra elétrica percorre o chão, como a barbatana de um tubarão. Vejo uma mulher loura, nua, deitada, com rodelas de pepinos sobre os olhos fechados, sendo depilada por um halterofilista de olhos vendados com fita crepe. Vejo um tribunal onde tudo que deveria ser de mogno – os lambris das paredes, as bancadas dos juízes, as cadeiras de espaldar alto do júri e das testemunhas, as mesas, os longos bancos destinados ao público – é de chocolate, e amolece ao calor da presença humana.

Mal posso acreditar quando passo ao lado de outra janela e vejo um salão ocupado por uma água suja, espessa, oleosa, onde flutuam tábuas apodrecidas, sacos plásticos, latas vazias, fraldas descartáveis e cartões postais amarelados mostrando grandes monumentos de vários continentes. No andar acima desde vejo um homem acorrentado ao cano de uma torneira, com a boca aberta embaixo dela, e consigo ver a queda de uma gota no instante em que passo. Ao longo de uns seis andares sucessivos, todos com o piso/teto violentamente rompido, ergue-se uma tubulação de plástico transparente e espesso, por onde avista-se um líquido gorgolejante, no qual nadam homúnculos de crânio liso, cobertos por veias salientes, e com seis dedos em cada mão.

Minhas mãos incansáveis grudam-se à parede, e continuo a escalar, a escalar. Chego ao topo e a metrópole eriçada de agulhas de cimento abre-se aos meus pés. Jogar-me lá do alto? Agora? Agora que entendi tudo, que finalmente matei a charada? Jamais.

Um comentário:

Unknown disse...

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