segunda-feira, 21 de junho de 2010

2172) Notícias e não-notícias (23.2.2010)



Quando os jornais escancaram manchetes de primeira página sobre escândalos de corrupção ou quando a TV mostra crimes violentos, as pessoas protestam: “Mas será possível, será que não existe uma coisa boa para mostrar, será que a imprensa só gosta de mostrar desgraça?!”. Perguntam com razão, até porque a epidemia de desgraças parece nunca ter fim, pelo menos nos dois casos acima. E volta e meia ressurge uma frase: “Por que eles só mostram quem é ladrão? Por que não mostram quem é honesto, para servir de exemplo?”.

Esta questão é uma verdadeira trança de motivações diferentes. A primeira é: um fato é notícia quando fala de algo relevante para a população em geral, e não só para os envolvidos. Um crime não toca apenas a vida de quem fez parte dele, mas levanta questões de segurança, impunidade, ação ou inação das forças públicas, etc. Nem todo crime sai no jornal. E os jornais noticiam as coisas boas, sim. De vez em quando vemos a notícia de um taxista que devolveu 10 mil dólares esquecidos por um passageiro, ou uma camareira de hotel que achou e devolveu uma jóia da hóspede, ou a faxineira de um espaço público que encontra um pacote cheio de grana e o entrega ao administrador. Se aparece menos, é porque acontece menos, ou então porque fatos assim são frequentes, mas numa pequena escala de valor financeiro. (Se uma camareira encontrasse meu livro de H. Rider Haggard que esqueci uma vez num hotel em Maceió, duvido que isto fosse notícia).

Outra motivação é a visão crítica. O jornalismo (parte dele) se consagrou como uma instância de vigilância e crítica sobre a população e sobre as autoridades. (Claro, dentro das limitações e dos interesses pessoais, tanto das empresas quanto dos indivíduos.) Muitas vezes uma coisa correta não dá notícia, mas uma coisa errada dá, porque é o pretexto para que se exerça a “visão crítica”, a “cobrança às autoridades”. E o próprio ambiente jornalístico é um espaço de contradições: quando alguém critica, é chamado de derrotista, quando elogia é chamado de puxa-saco. E por aí vai.

Há um princípio jornalístico que se define pela frase: “Se um cachorro morde uma pessoa, não é notícia, mas se uma pessoa morde um cachorro, é”. Ou seja, não dá para noticiar o banal, o comum, o repetitivo, o que acontece a toda hora em todo canto. Parte-se do princípio de que todo mundo já sabe que essas coisas acontecem. O jornalismo diário tem, como uma de suas origens, os “chapbooks” e os “fait divers” dos séculos 17 e 18, aqueles impressos baratos e sensacionalistas que são trisavós da literatura de cordel e dos “pulp magazines” de ficção científica. O banal não é notícia. O que é notícia é o incrível, o fantástico, o extraordinário, e como este não acontece todo dia, o que é notícia é o desvio da norma, o que está acima ou abaixo da média. Notícia é o que pela sua própria existência nos leva a questionar e a redefinir o que é a média, o que é a norma, o que é o normal.

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