terça-feira, 25 de maio de 2010

2075) Universos tangenciais (1.11.2009)



Quando acordou, estava subindo ao longo de uma escada cujos degraus eram tábuas, às quais seus dedos machucados mal podiam se apegar. Entre os degraus ele via a parede que estava escalando, e que parecia feita de cascalho solto. A luz das estrelas lhe dava apenas uma vaga noção de onde se agarrar; passou-se algum tempo antes que ele percebesse que os degraus pareciam estar transversalmente presos a duas barras de ferro luzidias. Experimentou uma delas com a mão, e sentiu-a vibrar, sentiu que ela trepidava numa vibração contínua e crescente. Aos poucos uma luz pareceu vir do alto, enquanto a vibração da escada aumentava a ponto de se comunicar aos seus próprios ossos, quando ele tentava aferrar-se ainda mais aos degraus. Olhando para cima, ele viu que a escada que escalava perdia-se numa altura indefinida mas que por ela vinha descendo rumo a ele uma imensa locomotiva fumegante com um facho de luz à frente.

Acordou com um arquejo de horror e espanto. Estava sentado num gramado à beira de um rio manso. Da água emergia uma jovem loura e alva, quase nua se não fosse pelo vestido diáfano, ensopado, que se colava ao corpo. Ela o avistou e caminhou para ele, os cabelos gotejantes, enquanto ele observava os seios miúdos e firmes, o movimento seguro dos quadris. Ela ajoelhou-se ao lado dele e acariciou-lhe os cabelos, enquanto gotas dágua lhe corriam pelo rosto. Ele ergueu a mão e segurou na mão dela. Uma corrente de milhares de volts atravessou-lhe o corpo, fritando-o com a temperatura do Sol, e despertando-o.

Ao abrir os olhos, estava na cama de um quarto de hotel barato: o único móvel que podia avistar da cama era uma cômoda desconjuntada de madeira, com um espelho oval, uma bacia de metal e uma toalha dobrada. Sentou-se na cama e percebeu que estava vestindo apenas um par de calções frouxos, de pano ordinário, que nunca tinha visto. Levantou-se com dificuldade e foi até o espelho. Não era um espelho: era uma vidraça oval que dava para um poço de elevador, onde ele via os cabos metálicos subindo de um lado e descendo de outro. Um elevador parou bem à sua frente, as portas abriram-se para os lados, e ele gritou ao ver lá dentro um homem de macacão azul, com um machado enterrado no crânio, estendendo as mãos para ele. E acordou.

Abriu os olhos e percebeu que estava num vasto descampado coberto de neve; vestia casaco espesso, luvas enormes, cachecol, gorro protegendo a cabeça. A neve se estendia à sua frente, lisa, intocada, e ele percebeu que estava andando de costas, como se a certa altura de uma caminhada tivesse decidido retroceder. Seus pés pousavam sobre as pegadas às suas costas e, mal se erguiam do chão, deixavam ali a neve intacta. A certa altura, escorregou, caiu, e acordou. Estava empunhando um jornal, percorrendo com os olhos uma coluna compacta de texto escrito, e agora seus olhos estavam chegando às últimas linhas.

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