terça-feira, 25 de maio de 2010

2071) A maldição da France Télécom (28.10.2009)



Desde o começo de 2008 que a France Télécom, uma das principais empresas de telecomunicação da Europa, está sendo varrida por uma onda de mortes que parecem brotar de um livro de Dan Brown. Eu ia dizendo “um livro de Georges Simenon” por proximidade linguística, mas Simenon era um escritor realista da velha cepa, e o que está acontecendo na FT parece mais o produto da imaginação hiperbólica de um autor de pulp fiction, como Dan Brown indubitavelmente é.

Um jornal português resumiu assim a situação, dias atrás: “A France Telecom anunciou ontem a suspensão do programa de reestruturação da empresa, depois de 25 trabalhadores se terem suicidado no último ano e meio. As mortes terão resultado da pressão a que estiveram sujeitos enquanto decorria o plano de reestruturação agora adiado. De acordo com um porta-voz da empresa citado pelo Times, cerca de 10 mil trabalhadores mudaram de posto de trabalho nos últimos três anos. Na semana passada houve uma tentativa de suicídio e um outro consumado por um engenheiro de 48 anos, que se enforcou em casa. De baixa médica há mais de um mês, o trabalhador deixou uma nota onde culpava o ambiente de trabalho pelo seu ato”. Os métodos mais usados pelos suicidas têm sido tomar pílulas para dormir, enforcar-se e saltar da janela do escritório.

Os leitores mais perspicazes desta coluna já terão notado que sou inimigo-a-ferro-e-fogo do Capitalismo Predatório, o espírito maligno que a cada século crava mais fundo seus caninos na jugular do mundo. O capitalismo “tout court” até que não é tão infernal assim, é apenas um deserto artificial, criado por firmas terceirizadas que exploram a concessão dos oásis. Mas o Capitalismo Predatório é um game em que algumas dezenas de executivos, enclausurados em seus bunkers nas coberturas das torres de vidros, manipulam organogramas, projetos, cronogramas, fluxos de caixa e outros números e conceitos abstratos, reduzindo aqui, ampliando acolá, minimizando custos à esquerda e projetando lucros à direita, cada qual querendo pontuar mais, performar melhor. Quanto aos seres humanos cujas vidas serão postas de pernas-pro-ar por essas medidas, eles não estão nem aí.

Os executivos da FT dizem que estatisticamente esta número de suicídios está dentro da média da população, e que muitos foram motivados por problemas pessoais, e não profissionais (embora vários suicidas tenham deixado bilhetes onde dizem claramente que se matam por pressões no ambiente de trabalho). A FT foi privatizada em 1997 e desde então tem passado por um drástico “enxugamento” para torná-la mais competitiva e lucrativa. Foi instalado um novo gerenciamento “cuja primeira preocupação é o lucro e a produtividade”, queixam-se os sindicatos. E desde então só tem feito crescer o número das pessoas que rabiscam num papel “prefiro morrer e deixar meus filhos órfãos do que trabalhar aqui”, e pulam.

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