domingo, 2 de maio de 2010

1984) Raul Rock Seixas (18.7.2009)



Há dois discos que nunca ouço sem me comover: Rock and Roll (1975) gravado por John Lennon, e Raul Rock Seixas (1977), que escuto agora enquanto escrevo. São dois exemplos da força crua do rock, de seu amálgama instintivo entre batida forte, som eletrificado e musicalidade de blues negro-rural. E tudo isso na voz de dois estrangeiros que nada tinham a ver com o peixe. Não se enganem quanto a Lennon – apesar de ingleses e americanos falarem línguas parecidas, são tão diferentes um do outro quanto o são de um baiano ousado. Os dois discos têm apenas duas faixas em comum (“Ready Teddy” e “Be-Bop-a-Lula”). Foram gravados em parte por homenagem (os dois artistas celebrando a música que os sequestrou “forever” em plena adolescência) e em parte pelo puro prazer, para um compositor de peso, de botar garganta afora canções não-autorais em que nada tem para provar a ninguém e tudo tem para saborear para si mesmo.

Raul também devia aos Beatles, como todo mundo que empunhou uma guitarra antes ou depois deles. Mas quem o criou como cantor foi Elvis, sua ginga de quadris, casaco negro de couro, trunfa arrogante, óculos escuros, voz querendo se encorpar em barítono. Raul era um branquelo magro mas encarou a si mesmo com heroísmo. Criou uma persona que era homenagem e cartum, era tributo e comentário oblíquo, era vontade infantil de “fazer aquilo também” e cachoeira irreprimível de coisas diferentes para dizer, coisas que o projetaram muito além do “cover” e deram origem a coisas como “Ouro de Tolo”, “Gita”, “Metrô 743”, “Metamorfose Ambulante” e por aí vai. Alturas – de compositor – que Elvis jamais pôde atingir.

Livros-coletânea como O Baú de Raul ou Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor trazem reproduções fac-símile dos cadernos infantis de Raul, e mostram que por trás da metamorfose ambulante havia um garoto inquieto que nunca mudou. O rock lhe serviu para compor uma “persona” satanista, para se fantasiar de James Dean e Marlon Brando, para se entregar por inteiro à promessa sagaz de Modernidade que o capitalismo distribui mundo afora, ofertando pentes e espelhinhos aos indígenas em troca de seu ouro e diamantes. É irônico, mas Raul foi apenas um entre milhões de outros jovens inconformistas que trocaram o ouro-de-tolo do conservadorismo classe-média pelo ouro-de-tolo da rebeldia midiática, onde nove em cada dez milionários morrem entupidos de drogas. Preciso citar nomes?

Quando celebramos aqueles que foram consumidos pelas drogas, pela loucura e pela dissipação não podemos mitificar quem os destruiu. Os monumentos aos mortos na Guerra celebram a vida que se perdeu, não a guerra que os matou. Celebram os mortos, independentemente da justeza ou não da guerra para onde foram enviados. Celebram sua juventude cortada ao meio, seu talento que se consumiu como uma lâmpada super-voltada, que brilhou mais do que podia e pagou o preço.

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