domingo, 2 de maio de 2010

1985) A desinvenção do cigarro (19.7.2009)



Eu vejo uns 10 ou 15 filmes por mês, a maioria deles no DVD e na TV a cabo. Filmes de todas as épocas, desde o cinema mudo até lançamentos atuais. E, nos filmes mais antigos, uma coisa que sempre me impressiona é a quantidade de cigarros que o pessoal fuma. Toda cena tem alguém fumando. Casais namoram no sofá, trocando juras de amor e beijos, e cada um tem um cigarro fumegante entre os dedos. Sabemos hoje que a indústria do cigarro investiu pesado no cinema como canal de merchandising subliminar, para impor ao público dos anos 1940, 1950, por aí, a noção de que fumar era sofisticado, era chique, era moderno, era para os homens uma demonstração de masculinidade e para as mulheres uma afirmação de independência. O resultado? Comprem um maço de cigarro e olhem no verso.

No cinema se explica: os diretores perceberam logo que as volutas de fumaça davam um charme à imagem luminosa, davam um movimento, uma poesia visual. Como dizia John Ford, “nada como uma fogueira acesa para dar vida a um plano”. E os atores gostavam, porque o cigarro lhes dava (como disse certa vez James Bond) “algo que fazer com as mãos”. Mas na vida real o câncer, o enfisema e o enfarte foram comendo o mercado do fumo pelas beiras. Em Nova York, há mais de dez anos, fiquei intrigado ao ver dezenas de executivos de ambos os sexos, no frio, parados no pátio externo dos edifícios de escritórios, em grupos de vinte ou trinta pessoas. Alguns conversavam, mas a maioria estava apenas parada, o olhar perdido, o gesto impaciente... e fumando. Tinham que sair do prédio para fumar. Isto me surpreendeu. Na época, os aviões reservavam os assentos do fundo para os fumantes. Não havia a campanha feroz que existe hoje.

Li um depoimento de um combatente do fumo em que ele afirmava: “No futuro, os cigarros e os cinzeiros serão tão obsoletos e parecerão tão estapafúrdios quanto nos parecem, hoje, os rolos de tabaco levados no bolso e as escarradeiras nos lugares públicos”. E de fato, eu ainda alcancei um tempo em que as pessoas, numa bodega, mordiam e mastigavam aquele fumo-de-rolo escuro, e cuspiam o resultado em esguicho, na calçada.

Os EUA inventaram o mito e o comércio do cigarro – e agora o estão desinventando. No filme de Al Gore, Uma Verdade Inconveniente, ele conta que a fortuna da família veio com plantações de tabaco, e que a irmã, fumante, morreu de câncer no pulmão. Uma pequena metáfora de todo esse processo. Existe hoje uma mobilização geral no país para restringir os espaços dos fumantes. Por outro lado, na Europa, principalmente na França, com seu pendor anti-dominação-americana, existe um apego ao cigarro como “exercício da liberdade”. Os franceses se apegam ao fumo como demonstração de independência cultural. Mas a desinvenção do cigarro é mais um exemplo da “grana que ergue e destrói”. Se os EUA acabarem de fato com o hábito do fumo, pra mim isso é uma prova de que nada no mundo é impossível.

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