sexta-feira, 30 de abril de 2010

1976) Literatura online (9.7.2009)



Num artigo recente, Steve Johnson imagina que a evolução da literatura online não vai mexer apenas com os modos de comercialização, mas principalmente com o que poderíamos chamar de “nuvem de leitura” em torno de um livro. Chamo de nuvem de leitura aquele agregado difuso de leitores, críticos, estudiosos, etc., que se aglomeram em torno de uma obra, produzindo desdobramentos dela sob formas, que vão desde as mais sofisticadas, como os ensaios acadêmicos, até as mais superficiais, como os comentários de mesa de bar ou de festas (“estou lendo um livro muito interessante, fala de tal ou tal coisa...”) Esse agregado de informações cerca qualquer livro. A nuvem de leitura em torno de best-sellers como Código da Vinci ou de clássicos como Dom Quixote seria, se transformada em texto, algo da ordem de alguns gigabytes. É nesse sentido que Osman Lins afirmava que a Divina Comédia consistia nos três livros escritos por Dante Alighieri e em todos os textos decorrentes deles: todas as análises, traduções, interpretações, etc.

Johnson acha que a fartura de informação e a velocidade de acesso contribuem para dispersar nossa atenção. “Iremos ler os livros”, supõe ele, “cada vez mais do modo como lemos jornais e revistas: um pedacinho aqui, outro pedacinho ali”. Concordo, porque minha apreciação do cinema tem sofrido, por causa da TV a cabo, esse mesmo tipo de mutação. Antigamente, para mim era ponto de honra ver um filme do começo ao fim. Nunca saí no meio de uma sessão, por pior que fosse o filme. Hoje em dia, isso foi para o espaço. Vejo filmes assim, um pedaço hoje, outro pedaço daqui a um mês. Os filmes se repetem muito na TV a cabo. Há filmes dos quais já vi 3 ou 4 vezes as partes do meio, sem nunca ter visto o começo ou o fim. E acho isso normal.

O mesmo deve se dar com as pessoas que não têm muita paciência para ler um livro inteiro. Lêem qualquer livro como eu li o Ulisses: somente as partes que me despertaram a atenção. O resto eu pulei. Uma tendência assim, quando se generaliza, acaba produzindo uma cultura fragmentária, em que todo mundo entende um pouquinho de tudo mas não conhece nada a fundo. Pode ser uma desvantagem, pois estará se criando uma população de cultura superficial. Por outro lado, isto abre a possibilidade de existência de um ambiente de gente mais ou menos bem informada, no qual os especialistas podem vir a ser vistos com respeito: primeiro, porque serão raros; segundo, porque haverá (mais do que hoje) um grande número de pessoas parcialmente informadas e capazes de constituir um público leitor para ele.

Essa democratização superficial da cultura pode ser benéfica. Não no sentido de produzir mais escritores, e sim mais leitores; não de mais conferencistas especializados, mas de maiores platéias em condições de ouvi-los. Intelectuais precisam de pessoas que, sem deter a mesma massa de conhecimentos, sejam capazes de se interessar pelos conhecimentos que eles detêm.

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