quinta-feira, 29 de abril de 2010
1973) Os castigos eternos (5.7.2009)
Na infância, amedrontavam a gente com o Inferno através da descrição de torturas físicas horrorosas. As aulas de Religião nos ameaçavam com o Fogo Eterno, em que nossas almas iriam arder para sempre, caso a gente morresse em pecado. Um dia, um aluno mais blasê retrucou: “Eu não ligo, porque é a alma, alma não sente dor”. A freira o fuzilou com o olhar: “Pois fique sabendo que quando a alma está no fogo do Inferno ela sente muito mais dor do que o corpo! E o que é pior: não morre! É um fogo tão grande que o corpo não ia aguentar nem um minuto, mas como a alma é imortal, ela queima ali eternamente!” Era o quanto bastava para de noite eu cair de cama e arder numa febre antecipatória.
Teólogos adultos são mais sofisticados. Dizem-nos que “o Inferno é a ausência de Deus”, o mais intolerável dos castigos. Imagino que para uma pessoa religiosa a ausência de Deus deve provocar uma Náusea, uma ausência de sentido nas coisas, mil vezes maior do que a do protagonista do livro de Sartre quando olha para a raiz de uma árvore e percebe que ela não significa nada, apenas está ali, e isso é tudo. Será que este castigo é mesmo o mais cruel de todos? Parece ser assim para Neil, o protagonista do conto “Hell is the absence of God”, de Ted Chiang (2001), no qual ele vai parar no Inferno, um lugar de onde Deus está ausente a ponto de não saber que Neil está ali. Diz o autor: “Neil sabe que, estando fora da percepção de Deus, seu amor por Ele não é retribuído. Isto não afeta os seus sentimentos, porque o amor incondicional nada pede em troca, nem mesmo reciprocidade. Mas ele continua a amar Deus, pois essa é a natureza da verdadeira devoção”.
Espíritos céticos, no entanto, continuam a se alinhar com a opinião daquele meu colega blasê da escola. É o caso de Oscar Wilde e sua famosa frase: “Livre-me Deus da dor física, e pode deixar que da dor espiritual eu mesmo me encarrego”. Tem razão, em parte. Quando eu tinha 12 anos tive uma dor de dentes que durou dias, tão violenta que pensei em me suicidar. Em alguns momentos o medo de ir para o Inferno me detinha. Em outros eu pensava: “Dane-se o Inferno, eu quero é acabar com essa dor!” E então me veio a idéia salvadora. Compreendi que o Inferno era aquela mesma dor – só que em todos os dentes ao mesmo tempo, e por toda a Eternidade. Essa noção pode ter salvado minha vida.
E tem a história de Rudyard Kipling dando conselhos ao jovem escritor Ford Maddox Ford, então um garoto. “Se você for bom, Fordie”, disse ele, “irá um dia para um lugar cheio de nuvens e de harpas. Você vai sentar numa nuvem e cantar hinos em louvor ao Senhor, para sempre, e sempre, e sempre. Você vai vestir eternamente uma túnica branca, e estará cercado por criaturas parecidas com sua mãe, só que todas têm asas. Mas se você for um menino mau...” Aí ele fazia uma pausa ameaçadora e concluía: “Se você for mau, vai parar num lugar muito, muito pior do que esse”.
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