quinta-feira, 29 de abril de 2010

1974) “Profanação”(7.7.2009)



A TV a cabo exibiu este filme de Jules Dassin, de 1962, que já tentei assistir no cinema mas era proibido para menores de 18 anos. Hoje passou na TV proibido para doze. Alguns detalhes justificam em parte essa censura: um caso de incesto (madrasta e enteado se apaixonam) e uma sugestão de lesbianismo. Diante do que vemos nos cinemas em 2009, é um filme quase puritano. Até mesmo pela mensagem do seu final, que, como em qualquer tragédia grega, pune os transgressores com a morte.

Dassin foi um cineasta transnacional. Nascido nos EUA, filho de um judeu russo, tornou-se cineasta, foi perseguido pelo macartismo, mudou-se para a França onde fez nova carreira, e depois criou uma ligação muito forte com a Grécia, onde fez numerosos filmes, alguns deles com sua esposa grega Melina Mercouri. O roteiro de Profanação (cujo título original é “Phedra”) se inspira superficialmente numa peça de Eurípides (Hipólito). Fedra (Melina Mercouri) é casada com o armador grego Thanos (Raf Vallone) e se apaixona pelo seu filho Alexis (Anthony Perkins). Os dois têm um caso. Ela não pode se divorciar, pois isto seria a ruína do marido (que depende do dinheiro do pai dela). Alexis se revolta e passa a desprezá-la. Ela volta a persegui-lo. No final, todos saem perdendo.

Dassin é um cineasta de narrativa tradicional, criando imagens de valor simbólico mas justificadas pelo contexto. A festa noturna em que os convidados atiram pratos brancos ao mar; Alexis ferido deitando-se sob uma torneira aberta para lavar o sangue; Thanos e Alexis subindo num andaime e contemplando os enormes navios em construção. Objetos adquirem valor simbólico: Alexis chama de “my girl” o carro em que morrerá no final, e o naufrágio do navio “Fedra” anuncia a destruição da personagem.

Profanação pertence a um gênero cinematográfico que floresceu nos anos 1960, a Tragédia Amorosa da Burguesia Européia. Nunca os desencontros amorosos dos milionários europeus foram descritos com tanta beleza plástica e tanta impiedade, antes ou depois. Antonioni (quase toda sua obra na época), Fellini (Doce Vida), Resnais (Marienbad), Pasolini (Teorema), Visconti (vários filmes), e inúmeros outros cineastas deram à burguesia capitalista daqueles tempos uma importância cósmica semelhante à que tinham os reis e as rainhas no teatro elizabetano. Ou na tragédia grega, que no caso deste filme serviu de inspiração direta.

Não vejo hoje em dia muitos filmes com essa temática. É uma mitologia que os intelectuais europeus cultivaram com fascinação, como se vissem um significado transcendental naquelas pessoas riquíssimas, frias, ressecadas por dentro, tempestuosas e cruéis, hedonistas e introvertidas, consumidas pelo torpor de quem pode tudo mas não deseja nada. Filmes assim encorparam o “cinema de autor” daquele tempo. Por alguma razão misteriosa deixaram de ser feitos, não sei se por falta de artistas à altura ou por esgotamento do tema.

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