segunda-feira, 26 de abril de 2010
1957) Os anjos pornográficos (17.6.2009)
Qualquer estudo sobre as relações entre o machismo, a literatura de folhetim e o cristianismo não pode deixar de incluir Nelson Rodrigues e Luís Buñuel como personagens. (Não seriam os únicos, claro – como deixar de fora Rubem Fonseca, Adelino Moreira, Pedro Almodóvar, Carlos Zéfiro, Dalton Trevisan, etc.?) O teatro de um e o cinema do outro são herdeiros do teatro de melodrama e do folhetim do século 19, cuja mentalidade absorveram na infância. Desinformação, tabus, voyeurismo, culpa, pecado... e um desejo sexual maciço, que, segundo Don Luís, não podia ser comparado com nada neste mundo.
Nelson Rodrigues via na arte uma função purificadora: “o personagem é vil para que não o sejamos”. Dizia que as mulheres honestas viam a adúltera no palco e descarregavam através dela suas tentações; era o que bastava para que se mantivessem fidelíssimas. Seu teatro tem a duplicidade permanente que permeia a obra de tantos moralistas: descrevem o pecado com minúcias, e no fim elogiam a virtude.
Coisa parecida ocorre com o cinema de Buñuel, que compartilhava com Nelson a maldição de ter nascido no interior de uma cultura católica, repressiva, em que o sexo era carregado de culpa. Buñuel dizia não gostar dos filmes modernos (dos anos 1960) em que as pessoas tiravam a roupa e copulavam na tela. Isto o desagradava – mas não o impedia de realizar filmes cheios de perversões e depravações contadas indiretamente, como Viridiana ou A bela da tarde.
O sexo, nessas circunstâncias, tem o mesmo poder liberador da blasfêmia. Quando é permitida, a satisfação do desejo sexual é como uma brisa agradável que acaricia, trazendo um misto de alegria e paz. Reprimida, tem a força do ar comprimido capaz de disparar uma bala; ou de um furacão que esperou anos para tirar aquela cidade do meio do seu caminho. A obra desses autores frutos da cultura cristã (mesmo quando se afirmam ateus) é a ponta do iceberg celibatário de homossexualismo e pedofilia em seminários, mosteiros e conventos. O ascetismo é possível, é belo e nobre. Mas aqui pra nós, não é pra todo mundo. Requer uma chama límpida e fria, quase divina, e nós somos (para o bem e para o mal) humanos e “calientes”.
Reprimidos, angustiados e cheios de conflitos, nem Don Luís nem Nelson viveriam em paz no mundo de hoje. A superabundância de bundas na TV e nas capas de revistas os chocaria. Tarados até a medula, eram do tipo para quem o excesso de nudez física é um entrave à fantasia mental. O que os excitava não era propriamente tocar a carne feminina, mas, de certo modo, possuir a mente da parceira, dobrá-la aos seus desejos, arrastá-la ao pecado conjunto. Como no velho bolero cantado por Dalva de Oliveira (“Querido!... / Eu tenho um pecado novo / e quero pecar contigo...”), seu desejo era o de ser seduzido e de seduzir, o de pecar e arrastar para o pecado, o de raptar uma parceira e conduzi-la de volta ao Jardim da Serpente.
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