segunda-feira, 26 de abril de 2010

1960) Como um tatu age (20.6.2009)



Um amigo meu, que tem o cacoete mental dos trocadilhos infames, explicou-me que a palavra “tatuagem” tem sua origem etimológica no fato de que as agulhas motorizadas dos tatuadores agem na nossa pele como se fossem um tatu, cavando, rasgando, destruindo. Ver esses ornatos epidérmicos me produz admiração e calafrios. Mesmo quando o resultado é bonito (e muitas vezes é tenebroso) imagino o sofrimento que exigiu, e o caráter irremediável da mudança. Sobre este último aspecto, procurem no meu blog (http://mundofantasmo.blogspot.com) a crônica “Pikachu Metallica”.

Usar o próprio corpo como superfície para obras de arte visual é uma tradição antiga, mas a sociedade moderna acelerou muito este processo nos últimos vinte anos. É impressionante a quantidade de gente se desenhando por aí. Isto tem dado ao Brasil de hoje um ar de ficção científica, porque a FC usou com frequência esse recurso ao imaginar mundos futuros. Até parece que os escritores de FC percebiam uma espécie de demanda reprimida no que diz respeito a modificações do corpo, e projetavam em seus escritos esse imaginário que acabou surgindo mais cedo do que eles próprios supunham.

A tecnologia do futuro próximo pode ajudar a propagar esse hábito. Pessoas que, como eu, recuam diante da irreversibilidade de uma tatuagem poderão ter alternativas. Seria possível recolher amostrar do DNA de um sujeito e produzir, em laboratório, “emplastros” de pele idêntica à dele, que poderiam ser implantados em qualquer local do corpo, e com qualquer extensão, sem sofrerem a rejeição que se dá com órgãos transplantados. Acredito que a genética de hoje permite isto, e a pesquisa de células-tronco pode tornar mais fácil e mais barata a produção desses “excedentes epidérmicos”. Colados sobre a pele original, seriam eles a superfície a receber a tatuagem. Se anos depois o cara mudasse de idéia, era só extirpar a pele implantada e restaurar a anterior.

No clássico Neuromancer, de 1984, William Gibson diz: “Com as mãos nos bolsos do casaco, Case olhou, através do vidro, para um losango achatado de pele produzida em laboratório que jazia sobre um pedestal de imitação de jade. A cor de sua pele trouxe a sua memória a pele das prostitutas de Zona; ela estava tatuada como uma imagem digital luminosa, conectada a um chip subcutâneo. Ele pensou: é mesmo, para que se dar o trabalho de uma cirurgia, quando a gente pode levar qualquer tatuagem no bolso?”

Recursos tecnológicos para produzir isto provavelmente já existem. O que não existe ainda é demanda da moda e investimento logístico. No dia em que pessoas começarem a chegar nas festas com tatuagens luminosas sobre (ou sob) a pele, e cada dia chegarem com uma tatuagem diferente, todo mundo vai querer uma igual. Daí a pouco surgirão festas black-out em que o ambiente da buate será iluminado apenas pelos “displays” multicores das tatuagens da galera que está dançando. Esperem, e verão.

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