quarta-feira, 31 de março de 2010

1852) Incrementando o celular (14.2.2009)



O celular começou como telefone portátil, e já acomodou agenda, calculadora, câmara fotográfica... O passo seguinte foi compor e enviar mensagens de texto, acessar a internet, mandar e receber emails. Tem celular com lanterna pra gente se orientar no escuro, teclado para compor musiquinhas simples, vibrador... As possibilidades, como sempre, são infinitas. O celular acabou se tornando um bicho de estimação eletrônico, um tamagochi sem perfil zoomórfico, mas, em compensação, capaz de trocar uma idéia com a gente.

As pessoas têm com ele uma intimidade que talvez nunca tenham tido com acessórios mais antigos como um relógio ou um par de óculos. Talvez o cachimbo se assemelhe, visto que requer atenção e paciência do usuário, sempre a limpá-lo, esvaziá-lo, enchê-lo de novo. Com o banco-de-dados biográfico que conduz em si, o celular vira uma mistura de diário, agenda, porta-retratos...

Foi feito um estudo patrocinado pela Wi-Ex, empresa que trabalha (nos EUA) com equipamentos para intensificação do sinal de celular dentro de edifícios. Ela concluiu que 62% dos usuários que costumam fazer ligações a partir de casa fazem algo fora do comum para tentar melhorar a recepção do sinal. Isto está criando uma cultura gestual nova, que não existia antes do celular e que vai se impondo enquanto os padrões de recepção continuarem problemáticos.

Entre as técnicas empregadas pelos usuários, algumas têm finalidade óbvia. A Wi-Fix constatou comportamentos que qualquer um de nós reconhece: “esticar a cabeça num ângulo esquisito”, “debruçar-se na janela enquanto fala ao celular”, “ficar mexendo com o braço”... Tudo isto são coisas que eu mesmo faço quando o sinal está ruim dentro de casa.

Mas a criatividade humana é inesgotável, e as pessoas não temem nem o ridículo nem o absurdo. Uma usuária afirmou que costumava “subir para o primeiro andar” para ver se melhorava o sinal; outro disse que “subia num móvel, como um sofá ou uma cadeira”. Houve que preferisse “ficar imóvel” e quem optasse por “correr de um lado para outro”. Um entrevistado afirmou que “entrava num closet e deixava a luz apagada”, enquanto outro “ficava ao lado de objetos de metal”. Uma entrevistada confessou: “vou para o quarto da minha filha e fico segurando a correntinha que pende do ventilador de teto”. E outro disse: “fico movendo o celular até conseguir sinal, e já cheguei até a me inclinar para trás, naquela posição do filme Matrix, tentando manter o sinal”.

Toda essa doidice me lembra aquele tempo em que ficávamos mexendo na antena interna da TV, apontando-a de um lado para outro, pendurando bombril na ponta, etc. E as horas intermináveis com alguém gritando de cima do telhado: “Melhorou?” e as pessoas de baixo gritando de volta: “Assim! Não, volta! Mais um pouco! Do jeito que estava!” e as crianças roendo as unhas. Está para se inventar uma tecnologia que não tenha uma mistura de superstição, “simpatia” e magia corporal.

Um comentário:

Kleber Brito disse...

Há aqueles que conversam com o aparelho, fazem elogios, beijam, etc.
Os toques que eram polifônicos ja passaram a mp3 e reproduzem desde músicas preferidas a sons diversos.
No meu aparelho, por exemplo, tem um galo cantador desaforado que incomoda os torcedores raposeiros quando o treze vence, tem um jegue relinchador "da gôta" que serve para indicar se é um amigo próximo que está me ligando. dentre tantos outros.
Enfim, era pra ser um comentário curto, mas o texto está tão bacana que me obrigou a extrair de mim essas nuances da tecnologia.

Excelente texto.