sexta-feira, 12 de março de 2010

1780) “A Ilha dos Mortos” (22.11.2008)




Não sei o que é mais fascinante, se uma obra literária que nos evoca a impressão de um sonho, ou se uma pintura que consegue o mesmo efeito. 

“A Ilha dos Mortos” é um quadro de Arnold Böcklin que tem no campo do Fantástico uma posição parecida com a de “O Grito” de Edward Munch ou “Duas Crianças Ameaçadas por um Rouxinol” de Max Ernst, ambos já comentados nesta coluna. 

O quadro de Böcklin surgiu de uma idéia recorrente que fez o pintor produzir cinco versões sucessivas, entre os anos de 1880 e 1886. Das cinco, uma (a quarta) foi destruída durante a II Guerra Mundial, e as demais encontram-se em museus de Nova York, Basiléia, Berlim e Leipzig. Elas podem ser admiradas e comparadas no verbete da Wikipedia, em: http://en.wikipedia.org/wiki/Isle_of_the_Dead_(painting).

Trata-se de uma ilha rochosa que emerge abruptamente do oceano, com enormes paredões de pedra que parecem traçar um semi-círculo, tendo no seu interior um bosque de ciprestes negros que se erguem a imensa altura. Nos paredões, vemos as entradas de câmaras mortuárias escavadas na rocha. Diante do bosque, vêem-se os degraus de um atracadouro, para onde se dirige um barco com duas figuras humanas (um barqueiro, sentado, e um vulto de pé, envolto num sudário branco) e à frente deles um ataúde branco com guirlandas de flores vermelhas.

O quadro sugere um sonho ominoso, e não um pesadelo de terror propriamente dito. Há uma sensação opressiva de morte já ocorrida, não de ameaça. A ilha-cemitério surge da água como que do nada, sem outra função senão a de receber os corpos que para lá são transportados. É uma ilha sem praias, sem relva, sem vida: apenas um bosque de ciprestes sepulcrais, rodeado por penhascos rochosos onde alguém escavou imensas criptas. 

Em duas versões mais recentes, uma cripta do lado direito traz as iniciais do pintor, “A.B.” E o barco que chega parece trazer para ali uma alma que acompanha o sepultamento do próprio corpo.

O verbete da Wikipedia cita os personagens famosos que tiveram fascinação por este quadro (Sigmund Freud, Adolf Hitler), e numerosas obras literárias que se diz serem parcialmente inspiradas nessa paisagem, como A Invenção de Morel de Bioy Casares e alguns contos de J. G. Ballard. 

O escritor britânico Ian McDonald tem um conto intitulado “The Island of the Dead” que certamente também se inspirou nele. 

O quadro de Böcklin tem estranheza bastante para gerar significados contraditórios e mutuamente estimulantes – quanto mais pensamos nele como um quadro triste mais o achamos belo. Quanto mais é amedrontador, mais nos transmite uma impressão de paz e repouso. Isto é intensificado pelo fato de existirem diferentes versões do quadro – uma é diurna, outra é noturna, uma tem um céu tempestuoso, o céu da outra é uniforme... É o retrato de um portal para o Além e, como tudo que não pertence ao mundo da matéria, está diferente a cada vez que o fitamos.





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