sexta-feira, 8 de maio de 2009

1012) Noite de autógrafos (14.6.2006)


(foto: Inês Tavares)

O saudoso José Carlos Oliveira escreveu uma crônica saborosa sobre noites de autógrafos, que infelizmente não guardei. Ele enumerava os desastres mais freqüentes (e eu diria: inevitáveis) dessas ocasiões traiçoeiras, fervilhantes de armadilhas. Fazer noite de autógrafos é como ir para o Faustão para concorrer ao quadro “Se Vira nos 30” com dez façanhas diferentes, uma atrás da outra. Tem chance de dar certo?

Os desastres são geralmente os mesmos. O amigo de adolescência que a gente não vê há quinze anos e acaba esquecendo o nome. O autógrafo conjunto para o casal, e a gente erra o nome da esposa do amigo (ou pior ainda, bota o nome da esposa de quinze anos atrás). A fã anônima que sussurra: “Quero uma dedicatória bem íntima...” Os conhecidos que, na hora de pagar e pegar o livro, recusam o papelucho com o nome anotado: “Pode deixar, ele me conhece!” O leitor exigente que acha sua dedicatória muito formal. A dupla de pessoas que a certa altura vêm juntas à mesa reclamando: “Você fez a mesma dedicatória pra nós dois!” O bêbado que empanca a fila, contando uma história ininteligível e interminável. E por aí vai.

Às vezes um amigo me liga no dia seguinte: “Não fui porque estou liso, não podia comprar e não queria passar vergonha”. Ledo engano, meu camarada. Quem vai a um lançamento não é obrigado a comprar o livro. Muita gente deixa para comprar no fim do mês, quando os caraminguás tilintam. Em ocasiões assim eu vou, converso com os conhecidos, tomo umas biritas, e quando o autor (sendo conhecido) está disponível vou lá, dou um abraço. Comprar o livro a gente pode comprar a qualquer momento. Ir lá só para participar da festa é talvez mais meritório ainda.

Mas há uma catástrofe que é a pior de todas. Num artigo de revista, o escritor Al Martinez sintetiza este tormento: “Existe uma estranha melancolia no ato de ficar sentado numa mesa, tendo diante de si apenas o seu Ego e o trabalho de um ano inteiro, e ninguém lhe dar a mínima atenção”. Isso é ainda mais arrepiante no mercado dos EUA, onde um cara lança um livro e em dois meses percorre 50 cidades, lendo trechos e dando autógrafos em livrarias – que tanto podem estar repletas de fãs como entregues às baratas.

Certa vez, numa Bienal do Livro em São Paulo, a editora colocou em duas mesas vizinhas eu e um respeitado ensaísta brasileiro, com 20 anos e 40 livros mais do que eu. Ficamos das duas da tarde às sete da noite. Um milhão de pessoas desfilaram diante do estande, olharam aqueles dois pacóvios sentados lado a lado, aproximaram-se, leram os nomes impressos nas plaquetas, fizeram uma cara de “nunca ouvi falar”, folhearam nossos livros, deram boa-tarde (ou nem isso) e sumiram para sempre. Quem estava com vontade de sumir para sempre era eu. Mas o esforço não foi em vão. Ele não vendeu nenhum livro a tarde inteira; eu vendi um – para a filha dele, que foi dar uma força ao pai e foi convencida por ele a prestigiar o colega de infortúnio.

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