sexta-feira, 8 de maio de 2009

1015) Posfecias (17.6.2006)




Profecia todo mundo sabe o que é, não é mesmo? Mas a posfecia, meus camaradinhas, está sendo inventada agora mesmo, neste dia histórico, nas páginas deste jornal que farfalha em vossas mãos. Com a ressalva óbvia de que não estou inventando o fenômeno, e sim a palavra para descrevê-lo.

Se fazer uma profecia significa anunciar um fato antecipadamente, a posfecia significa dizer algo incompreensível, mas que parece ter a ver com o fato depois dele ocorrido, ou “a posteriori” como dizem nossos amigos advogados.

O exemplo mais óbvio de posfecia são as interpretações dos versos de Nostradamus. Como todo mundo sabe, este médico francês produziu entre 1555 e 1568 um livro de poemas intitulado As Profecias, também chamado de Centúrias por estar organizado em grupos de cem estrofes.

O vocabulário dele é mais abstruso do que o de Augusto dos Anjos; as imagens, mais surrealistas do que as de Jorge de Lima; o tom, mais apocalíptico do que o de Zé Ramalho. (O conteúdo, diriam alguns, mais sem pé nem cabeça do que o de Zé Limeira)

Os versos têm sido extensamente analisados e interpretados como previsões de tudo no mundo: o Nazismo, o afundamento do Titanic, a Queda da Bastilha, a morte de Kennedy, o atentado ao World Trade Center. Em 1985, aqui no Rio, houve uma comoção geral quando um espertalhão botou na imprensa uma tradução fajuta de Nostradamus avisando que o Rock in Rio ia resultar numa catástrofe gigantesca. Não só não resultou, como o Rock in Rio continua a acontecer (semanas atrás realizou-se em Lisboa, com a presença de Ivete Sangalo e Shakira – será que era essa a catástrofe?)

Posfecia é qualquer previsão que só faz sentido em retrospecto, depois que os fatos acontecem e podem ser comparados com ela. A técnica favorita dos videntes que freqüentam as revistas “pop” é a imprecisão. “Um casal da TV vai se divorciar!” “Um pagodeiro vai sofrer um acidente de carro!” “Uma socialite vai fazer plástica!” – e assim por diante.

Quando é um ano depois, não vão faltar notícias “confirmando a previsão”. No futebol existe algo semelhante, que pode ser sintetizado naquela famosa fórmula dos comentaristas, antes do início da partida: “O Brasil tem tudo para ganhar este jogo, mas se não tiver cuidado pode empatar, ou até mesmo perder”.

Uma posfecia pode se transformar naquilo que em inglês se chama “self-fulfilling prophecy”, uma profecia que mobiliza as pessoas para que ela se cumpra.

Há um magnífico romance policial de Maurice Leblanc, A Ilha dos Trinta Ataúdes, em que um poema apocalíptico e nostradâmico de um monge meio louco acaba servindo de roteiro para uma série de crimes sanguinolentos, simplesmente porque um bandido meio psicopata cismou que aquilo era uma profecia e precisava acontecer.

Em nenhum desses casos alguém “vê” o futuro. É um texto de inspiração gratuita ou aleatória, cuja relação com os fatos futuros é de uma natureza totalmente diferente.





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