terça-feira, 7 de abril de 2009

0957) O tele-autógrafo (11.4.2006)




(O Unotchit)

Observo com curiosidade o estranho hábito contemporâneo de colecionar assinaturas alheias. Fosse eu um pouco mais malicioso do que sou, imaginaria que quem pede um autógrafo está pensando em falsificar a assinatura do sujeito incauto que sai por aí mostrando a todo mundo como rubrica seus cheques. 

Surgiram desse ritual as famosas “noites de autógrafos” que todo escritor é obrigado a cumprir para divulgar seus livros. Durante uma festa ou um coquetel, o autor atende os leitores um por um, trocando algumas frases cordiais, e escrevendo uma dedicatória cortês. Livro na mão, o leitor vai para casa duplamente satisfeito: conseguiu um contato pessoal com o autor que admira, e pode prová-lo, porque na folha de rosto do livro está escrito: “Para o inteligente e talentoso Braulio Tavares, com o abraço e a admiração de Machado de Assis”. 

Surgiu agora uma invenção da canadense Margaret Atwood (autora de Madame Oráculo, O Assassino Cego, etc.), uma engenhoca que permitirá a todo mundo dar autógrafos à distância. É uma espécie de “notepad” que se conecta a uma caneta movida por uma garra eletrônica. As palavras que são escritas na superfície do notepad no terminal “A” são reproduzidas pela garra-caneta no terminal “B”. Ambos, é claro, podem estar a milhares de quilômetros de distância. 

Para reduzir a impessoalidade da ação, o sistema é conectado a um sistema de webcams com áudio, que permite ao fã conversar com o autor durante o breve encontro. Atwood é uma autora bissexta de ficção científica (A História da Aia, Oryx e Crake), embora ela não goste do rótulo. Diz ela: 

“Não posso estar fisicamente em cinco países ao mesmo tempo, mas com este sistema posso autografar em cinco países sem o desgaste físico das viagens”. 

Sábias palavras de quem tem 66 anos! A autora teve a idéia do tele-autógrafo, reuniu técnicos e criou uma firma para produzir a máquina, à qual batizou como Unotchit (que se pronuncia “you not touch it”, “você não toca nisto”). 

Tudo bem; mas é preciso lembrar que o autógrafo é uma pequena cerimônia no altar do Ego. Não o Ego do artista famoso, mas o Ego do fã anônimo, que usará o autógrafo para convencer a si mesmo e aos outros de que o Artista Famoso o conhece: não está ali uma prova insofismável? 

É fácil esquecermos que Fulano de Tal já deu dezenas de milhares de autógrafos a pessoas com as quais não se demorou mais do que trinta segundos. Os trinta segundos que nos foram dedicados são inesquecíveis e preciosos, temos a prova manuscrita do Contato, e isto nos basta para ficarmos pensando pelo resto da vida que também somos importantes. 

Nesta nossa civilização do Ego, bastam alguns minutos passados ao lado de um ídolo (e o nosso nome escrito em sua caligrafia com uma frase gentil) para que possamos alimentar durante muitos anos a sensação de que nós também existimos naquele mundo encantado que só podemos admirar à distância.







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