terça-feira, 20 de janeiro de 2009

0771) “O Adversário” (7.9.2005)


(cartaz do filme de Nicole Garcia)

Nos primeiros dias de 1993, um incêndio destruiu uma casa na região francesa de Prevessin, perto da fronteira com a Suíça, onde morava um médico, Jean-Claude Romand, pesquisador da Organização Mundial da Saúde, em Genebra. Os bombeiros tiraram da casa em chamas os cadáveres da mãe (Florence) e dos dois filhos (Antoine e Caroline); o pai estava gravemente queimado, mas vivo. No dia seguinte, o tio de Romand foi à casa dos pais dele para dar a notícia. Chegando lá, encontrou o casal de velhos morto a tiros de espingarda, juntamente com o cachorro. A polícia pensou em vingança: quem teria tentado exterminar uma família inteira, em duas casas situadas a 80 km de distância? Mas aos poucos surgiu uma verdade mais chocante do que o crime em si. O criminoso era o próprio Dr. Romand: ele matou a mulher e os filhos, depois pegou o carro e viajou para matar os pais, aí voltou e ateou fogo à casa. Por que?

A investigação revelou uma verdade muito mais inacreditável. Descobriu-se que o Dr. Romand não trabalhava na OMS, como acreditavam todos os seus parentes e amigos: ninguém lá o conhecia, seu nome não constava dos registros, nem dos anuários médicos. Acabou-se descobrindo que ele nem sequer tinha se formado em Medicina, tendo abandonado os estudos no segundo ano. O mais incrível é que sua mulher Florence e seu melhor amigo (e vizinho), o médico Luc Ladmiral, tinham estudado com Romand até a formatura, quando ele, em vez de clinicar, optou por tornar-se pesquisador da OMS.

Romand fingiu estudar, fingiu formar-se, fingiu trabalhar, durante dezoito anos ininterruptos, mentindo a todas as pessoas que o conheciam. Todo dia pegava o carro, cruzava a fronteira suíça e ficava zanzando, tomando café, lendo jornais. Alguém perguntará: e como ganhava a vida? É aí, no bom e velho capítulo financeiro, que começa a tragédia. Como tinha acesso a bancos suíços, ele começou a pegar o dinheiro dos pais, do sogro, dos amigos, para depositá-lo em bancos de Genebra. Na verdade, depositava-o em sua própria conta. Ao longo de dezoito anos viveu das economias alheias. Quando o dinheiro acabou e o cerco começou a se apertar, ele resolveu (disse depois, no tribunal) “matar aquelas pessoas a quem não queria causar uma grande decepção”. Bang, bang, bang.

O fato é verídico, já resultou em dois filmes e no notável livro L’Adversaire, de Emmanuel Carrere (Paris: P.O.L., 2000). De mentirosos compulsivos o mundo está cheio, mas, mais do que um estudo sobre a mentira, o caso Romand (http://jc.romand.free.fr/) nos sugere um estudo sobre credulidade, respeitabilidade, aparências. Como é possível que ninguém percebesse? Que ninguém desse um telefonema para checar? A tragédia de Romand nos mostra uma das fragilidades de civilização, do mundo organizado e politicamente correto em que todo mundo confia em todo mundo. Ali, uma bolha de sabão dura dezoito anos, porque ninguém acha necessário tocá-la com a ponta do dedo só pra conferir.

Nenhum comentário: