sábado, 4 de outubro de 2008

0570) Quaderna e os Emparedados (15.1.2005)




(Lee Taylor, no papel de Quaderna, na peça de Antunes Filho)

Além dos seus sonhos monárquicos de tornar-se Imperador do Brasil, o narrador do Romance da Pedra do Reino, Dom Pedro Dinis Quaderna, alimenta outro um sonho quixotesco: o de tornar-se o Gênio da Raça Brasileira, escrevendo a obra definitiva de nossa literatura. 

Na verdade, as ambições imperiais de Quaderna vão se diluindo ao longo da vida, quando ele cai na real e percebe que dificilmente conseguirá liderar uma grande revolta armada para colocar-se no trono de um futuro Império Brasileiro. Parece muito mais sensato ambicionar as glórias literárias do que as glórias políticas, uma vez que ele tem uma certa vocação para as Letras, e queda nenhuma para as insurreições militares.

Um dos trechos mais engraçados do livro são os capítulos (ou “folhetos”, como os chama Ariano Suassuna) 27 a 31, onde Quaderna propõe a fundação da Academia de Letras dos Emparedados de Taperoá aos seus amigos e mestres: o negro e comunista Professor Clemente, e o branco e monarquista Samuel. Os dois contestam o nome, achando que seria mais adequado usar um termo como “Academia dos Progressistas”, ou dos “Esclarecidos”. Mas Quaderna justifica o nome:

“Eu sou emparedado porque, segundo vocês, vivo assim, murado entre o enigma e o logogrifo. Clemente, porque vive agrilhoado entre as paredes do grifo do mundo, entre os elos de ferro do preconceito e da injustiça social. Quando a Samuel, anjo decaído nas paredes de pedra da prisão terrena, é também emparedado, porque vive aqui, exilado neste bárbaro Deserto africano e asiático que é o Sertão. Finalmente, em conjunto, nós três somos emparedados porque, com as andanças e extravios políticos que o Brasil vai vivendo, nós todos temos cara de quem, com culpa ou sem culpa, vai ser encostado à parede e fuzilado!”

Quaderna poderia dizer, como Drummond: “Guardei-me para a epopéia / que jamais escreverei.” 

Interrogado pelo Juiz Corregedor que investiga os crimes acontecidos em Taperoá, Quaderna afirma ser “um Epopeieta, um poeta épico, um autor de epopéias”. O Juiz pergunta: “Quantas epopéias o senhor já escreveu?” E Quaderna lasca: “Por enquanto nenhuma ainda, Excelência, mas vou fazer uma de lascar o cano, qualquer dia desses!” Qualquer literato de província se reconhece neste cândido e impiedoso auto-retrato.

Comentando a dificuldade dos três “acadêmicos” em produzir a Obra Máxima da Literatura Brasileira, ele confessa: 

“Infelizmente, Sr. Corregedor, apesar de possessos da Literatura, nós três padecemos, todos, de uma terrível incapacidade de escrever! Somos geniais nas idéias e nas conversas, mas quando chega a hora de passar tudo para o papel a desgraça penetra e, em vez do santo, quem baixa é a fatalidade, de modo que não sai nada, por mais que a gente esprema o miolo do juízo!” 

É a mesma Paraíba que, não dando nunca o braço a torcer, transformou o roteiro de cinema num sub-conjunto da Literatura Oral (ver “O Cinema Espiritual”, 10.8.2003).






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