sábado, 26 de julho de 2008

0462) O Cinema Subterrâneo (11.9.2004)




O que é um cinéfilo? A resposta mais instintiva é dizer que é um sujeito que aprecia filmes-de-arte. Concordo, mas não é bem isto. Cinéfilo é um sujeito que ama o cinema, o fenômeno cinematográfico em toda sua extensão. 

Se ele é da minha geração pra cima, por exemplo, o amor que tem pelos filmes estende-se à sua lembrança dos cinemas como eram antigamente. 

Os tubos de ferro chumbados ao chão, à frente da janelinha da bilheteria, para ajudar a organizar a fila. 

Os displays de cartazes e fotos, embutidos na parede, protegidos por vidro, iluminados por fluorescentes. 

O som profundo do gongo, anunciando o apagar gradual das luzes e a abertura das cortinas para início da sessão (ritual que hoje, no Rio, se mantém no Cine Odeon-BR). 

O vendedor de balas e chicletes caminhando por entre as filas com sua caixa semicircular pendurada ao pescoço. 

O “pshhh...” coletivo ao aparecer na tela o “urubu” da Condor Films. A lua cheia, redonda, que se transformava no logotipo retangular da PelMex.

O cinéfilo não ama apenas as elucubrações de Bergman ou a grotesqueria de David Lynch: ele ama com fervor fetichista toda a parafernália de objetos, rituais e emoções que cercam o ato de ver um filme. 

Daí, não é de admirar que a polícia parisiense tenha descoberto dias atrás o que a imprensa chamou com bom humor de “o verdadeiro cinema underground”. Num dos incontáveis subterrâneos de Paris, no 16ème “arrondissement”, policiais descobriram uma vasta caverna que aparentemente era usada como sala de exibição de filmes, na área por baixo do Palais de Chaillot (perto da Torre Eiffel).

Os subterrâneos de Paris são vastos. Há um passeio turístico que percorre um trecho bem limitado, onde ficam algumas catacumbas históricas. Alguns saites fornecem visões interessantíssimas sobre este mundo de galerias, esgotos, verdadeiros labirintos de cuja existência a maioria das pessoas nem suspeita. 

Os policiais fizeram a descoberta enquanto patrulhavam um trecho dos mais de 200 km de galerias subterrâneas da capital. Na caverna, dezoito metros abaixo do chão, havia luz elétrica, três linhas telefônicas, circuito fechado de TV, e uma sala de exibição com 400 m2, equipamento completo de projeção, e uma boa quantidade de filmes, que iam de clássicos do “film noir” até títulos recentes. A um canto, uma espécie de bar, com bebidas. 

Ao retornarem três dias depois, com técnicos que iriam descobrir a origem do “gato” elétrico que iluminava o local, descobriram que a luz e os telefones tinham sido cortados, e havia um bilhete no chão: “Não tentem nos encontrar”. 

Nada contra o DVD, o “home theater”, os filmes baixados pela Internet. Mas é tão poético a gente descobrir que na cidade que nos deu Godard e Truffaut existe um grupo de inconformistas que, como os cristãos primitivos, recolhe-se ao fundo das catacumbas para apreciar sua ração diária de fotogramas.






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