quarta-feira, 3 de agosto de 2022

4849) Bob Dylan via computador (3.8.2022)



A evolução acelerada das pesquisas de Inteligência Artificial fazem deste nosso período uma espécie de Terra de Ninguém experimentalista, onde cada pesquisador avança na direção que bem entende, usando os instrumentos de que dispõe, e sem uma idéia muito clara do que vai acontecer pela frente.

Anotem: é em períodos assim que surgem as descobertas mais inesperadas e os grandes upgrades conceituais. Aquilo que os historiadores, com a vantagem da visão retrospectiva, dirão em tom pomposo: “Era uma invenção madura, pronta para acontecer...” Tudo é previsível depois que acontece.

Vejam o caso dos algoritmos que produzem texto, por exemplo. A análise estatística do estilo de textos literários é uma coisa antiga. Quando usei computador pela primeira vez, em 1991, o programa com que “estreei” nesta nobre arte era o  WordStar. E o notebook que um amigo me emprestou tinha entre os seus recursos um analisador de estilo.

Eu escrevia um parágrafo, ou copiava um parágrafo (em inglês) de um conto já escrito, e depois de alguns segundos o programa me dizia: Você está usando 23% mais adjetivos do que Ernest Hemingway, e suas frases são 35% mais longas do que as frases dele.

Ou seja: o programa tinha, arquivadas em suas memórias, uma planilha enorme de estatísticas de todos (ou muitos) textos de autores famosos – Hemingway, Fitzgerald, Melville, Shakespeare, não lembro mais quem. Essas características de estilo (extensão de palavras, extensão de frases, estruturas de frase mais frequentes, sinônimos preferidos) eram coisas relativamente fáceis de calcular via computador, que é uma máquina de procurar, com rapidez, coisas devidamente codificadas.

Vejam bem, esses comentários que me faziam erguer o sobrolho são de trinta anos atrás.


Não há dúvida de que desde então os pesquisadores descobriram como catalogar, organizar e codificar outras características de estilo. O tipo de metáforas preferidas pelo autor. Suas aliterações mais usuais, seu vocabulário característico, seus temas, sua forma de organizar o diálogo ou o monólogo interior... Narrativas na 1ª. ou na 3ª. pessoa, preferências por nomes próprios... E por aí vai.

Já comentei aqui a existência de um software que “escreve poemas no estilo de Dylan Thomas”:


Não posso negar que existe um certo sabor do bardo galês, mesmo que sintético, em versos como:

I slept heartily

By the goosefield of the truant boy

Laughing mildly on the invisible leaves

On thoughts of tides

Where bones lie proudly

And all the patchwork birds burn and walk.



Thomas provavelmente tombaria vítima de um ataque apoplético se visse esses versos sendo-lhe atribuídos, mas não importa. Para um leigo, como eu, acaba colando.

É como o famoso Parnaso de Além-Túmulo, uma antologia poética espírita que minha mãe tinha em casa, cheia de sonetos de Cruz e Sousa, Olavo Bilac, Raimundo Correia, Castro Alves, Augusto dos Anjos... Eu menino perguntava a respeito e ela explicava: “São os poemas que eles escreveram depois de mortos, e transmitiram através dos médiuns”.  Nunca duvidei, pelo menos até a época em que eu próprio comecei a fazer meus pastiches de Augusto dos Anjos, crente que estava abafando.

É fácil estudar os cacoetes e as preferências de um poeta e imitá-las. É como aquelas pessoas que imitam a voz de qualquer um, o jeitão de qualquer um (Chico Anysio, por exemplo). É um talento, e pronto.
 
Talento tão real que agora é demonstrado por algoritmos.



Bob Bjarke, da Califórnia, criou um algoritmo capaz de “escrever uma letra de música no estilo de Bob Dylan”. (O fã dylaniano mais cabreiro pode alfinetar logo: “Mas é o Dylan de Blonde on Blonde, o de Shot of Love ou o de Under the Red Sky?...)
 
Com a palavra este outro Bob (@bobarke):

Uma das maneiras mais acessíveis de fazer experiências com Inteligência Artificial é através da geração de textos. Há muitas ferramentas de I.A. que podemos usar para gerar rapidamente uma grande massa de texto, a baixo custo, usando dados colhidos em fontes da web. (...) Usei um software chamado GPT-2, que os cientistas alimentaram com o texto de 8 milhões de páginas da web, e é agora capaz de imitar a escrita humana. (...) O catálogo de canções de Dylan inclui mais de 600 letras. (...) Ao criar o “letrista artificial” a quem dei o nome de “Bob Dylain”, o GPT-2 produziu milhares de letras de músicas, que variavam de um nonsense ininteligível até regurgitações literais de letras já existentes. Entre estes dois extremos, o programa compôs letras que a gente poderia considerar Dylanescas, demonstrando um uso hábil de metáforas e de crítica social, e muitas vezes recorrendo à experiência do Oeste americano. (trad. BT)

Eis um bom exemplo de letra gerada pelo software:

I had a long talk with your aunt      

In the churchyard, in the alley

She told me all about your death

I lay in bed and talked to myself

 

But I didn’t know what to do

Three bodies lyin’ there was nothin’ I could do to stop it

Memory is like a rolling cloud

Where the ancient light never fades

 

I had a long talk with your uncle

In the county jail

He sat in a rocking chair

He talked about the golden age

 

When men, women, and children went free

He said the darkest hour was still ahead

When men, women, and children went free

I had a right to be saved by love, I had a right to be

 

I had a long talk with your grandmother

In the home of the living

She talked about the trials and the tribulations

She said you had a right to know

 

What she knew about disease

and about how it was to be killed

How many people died from it, and what was left?

How many more would be left to rot?

 

   When you died, your body was buried in the rocks

   In the gutter like a boiled fish

   I never saw my heart begin to bleed

   I never saw my whole being disappear

 

I had a long talk with my brother

In the cold dark of night

He spoke of the great final struggle

When all is lost and all is made of stone

 

You and me we had completeness

I gave you all of what you wanted I did it my way

You followed your own fancy I had a right to be

Saved by love, I had a right to be
















Um comentário:

Anônimo disse...

Geraldo Amâncio disse: -Duvido a ciência criar um poeta cantando galope na beira do mar... Será que vai aparecer um desafio poético entre duas inteligências artificiais, como tem torneios entre engines no xadrez?