sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

4317) "Wormwood": os crimes da C.I.A. (23.02.2018)




Uma das estréias recentes do Netflix é a série Wormwood, dirigida por Errol Morris, em forma de docudrama (documentário com alguns trechos encenados por atores). Vi os seis episódios ao longo de três dias, sinal de que gostei.

A série investiga a morte de Frank Olson, um cientista empregado pelo exército americano e depois pela CIA, que caiu de uma janela no décimo andar de um hotel de Manhattan, em 1953. Na época, o veredito foi de “acidente”, com a ressalva de que Olson “caiu ou pulou” da janela. A família recebeu um caixão selado que não teve permissão de abrir, sob a alegação de que o corpo estava muito mutilado.

Olson trabalhava em pesquisas bacteriológicas, e a Guerra da Coréia estava no auge. A paranóia da Guerra Fria pairava no ar. A família enterrou o morto e não fez perguntas.

Em 1975, uma matéria do jornalista Seymour Hersh revelou que na verdade Frank Olson tinha sido vítima de um projeto secreto da CIA que consistia em administrar LSD a pessoas, sem o conhecimento delas, para avaliar suas reações e saber se poderiam se transformar em eventuais delatores, se presos pelos comunistas.

Frank Olson tomou o LSD, entrou numa bad trip, foi levado às pressas para New York para consulta com um médico ligado à CIA. Dez dias depois de tomar a droga, pulou da janela do hotel.

O docudrama de Errol Morris reconstitui estes dez últimos dias e tem como fio condutor a investigação que o filho mais velho de Frank, Eric Olson, conduziu durante mais de 60 anos tentando entender o que tinha acontecido com seu pai.

Eric Olson acabou descobrindo que não se tratou apenas de uma experiência da CIA que não deu certo. Seu pai não se suicidou por causa de uma bad trip. Na verdade, ele foi assassinado, porque já vinha há algum tempo questionando os seus superiores sobre a utilização bélica das pesquisas bacteriológicas que fazia nas instalações de Camp Detrick (Maryland).

A exumação do corpo de Olson, em 1994, desmentiu as versões de suicídio. Como nos filmes baseados em Agatha Christie, Errol Morris encena, com ambientação de 1953, as várias versões da queda de Olson, além de seus trajetos durante aqueles dias em Nova York.

Perguntado pelo crítico Roger Ebert qual era a diferença entre documentário e docudrama, Morris respondeu: “Dois zeros”. Ou seja, para encenar aqueles trechos com atores os custos do filme (cenografia de época, figurinos, etc.) são multiplicados por 100. Vale a pena? A questão permanece em aberto.

Uma das referências alegóricas do documentário é a história de Hamlet, outro rapaz atormentado que quer saber a verdade sobre a morte do pai; cenas da adaptação de Laurence Olivier (1948) são usadas com frequência.

O diretor conta com um trunfo importante, o fato de haver um material de arquivo muito farto: filminhos 8mm de Olson brincando com os filhos, e depois os filhos já adultos, em plena investigação, acompanhados o tempo inteiro por câmeras de TV e cinema. Isso lhe permite montar o filme como se tivesse “filmado o passado” e dar uma certa continuidade ao material.

Eric Olson cresceu investigando a morte do pai, tornou-se psicólogo e criou um método particular de uso da colagem de fotos para provocar descobertas subjetivas. O diretor Morris se apropria desse método do seu entrevistado e transforma o filme (a série) numa colagem com tela múltipla, uso simultâneo de muitas câmeras, superposição de fotos e textos, etc.

Wormwood é a estrela Absinto citada no Apocalipse, a que torna amargas as águas após o toque da trombeta do anjo.

A série de Errol Morris é um complemento para aqueles romances de John Le Carré, Graham Greene, Eric Ambler e tantos outros autores de livros de espionagem. Obras cuja leitura sucessiva pode nos conduzir à depressão, porque a atividade da espionagem (“Inteligência”, “Contra-Inteligência”, “Segurança Nacional”, “Serviços de Informação”, "Departamentos de Ordem Política e Social" e congêneres) é uma sabotagem sistemática do conceito de verdade. É um mundo onde todos mentem, todos escondem, um mundo que nos tira a ilusão de que é possível conhecer a verdade sobre um fato qualquer.

O nome “Kafka” está conspicuamente ausente da série, embora seja uma referência inevitável. Eric Olson é um Joseph K. atormentado por um mistério e na tentativa de esclarecê-lo vai se deparando com mistérios cada vez maiores e mais tenebrosos. Como aqueles arqueólogos em busca de Tróia, descobrindo uma série de “cidades soterradas”, uma por baixo da outra.

Chega um momento em que o investigador percebe que cada verdade descoberta é mais dolorosa e mais deprimente do que a anterior; e ele resolve simplesmente parar de cavar.







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